Jamil Chade

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Reportagem

Potências rejeitam plano de Trump e ONU denuncia 'limpeza étnica'

Em um raro momento de união internacional, as maiores potências militares e econômicas se apressaram para rejeitar a proposta de Donald Trump de tomar Gaza e expulsar os palestinos que vivem na região. A ideia foi alvo de condenações tanto por parte de aliados como de adversários dos EUA, apesar de o presidente garantir que "todos amaram" sua ideia.

Enquanto isso, a ONU alertou que a iniciativa é ilegal e denunciou o risco de uma "limpeza étnica".

As declarações ocorreram depois de uma noite de intensos intercâmbios entre negociadores, que qualificaram o gesto do americano de uma "bomba nuclear" no cenário internacional. Trump chegou a falar em criar, na região, uma "Riviera do Oriente Médio".

Na noite de terça-feira, Trump chocou o mundo ao anunciar seu plano, ao lado do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

Trump disse que a ocupação americana poderia ser a longo prazo. "Eu vejo uma posição de propriedade de longo prazo", disse. "Todos com quem conversei adoram a ideia de os Estados Unidos possuírem aquele pedaço de terra", completou.

O presidente dos EUA ainda disse que outros países poderiam receber os palestinos que estão na Faixa de Gaza. "Ela tem sido símbolo de morte e destruição por décadas, tão ruim para a população que vive ali. Muita falta de sorte naquele lugar. Não deveria ocorrer um processo de reconstrução pelas mesmas pessoas que estão lá. Em vez disso, deveriam ir para outros países com interesse em questões humanitárias", afirmou.

Ao deixar Washington, Netanyahu ganhou um quadro com uma foto sua e de Trump. Nela, o americano escreveu: "Para Bibi, um grande líder".

Apesar disso, todos os membros permanentes no Conselho de Segurança se uniram contra o plano dos EUA, além de dezenas de países como Brasil, Arábia Saudita, Espanha, Austrália, Irã, Irlanda, Egito, Jordânia, Turquia e Alemanha.

França

O governo de Emmanuel Macron, que tentou se aproximar de Trump, rejeitou a ideia e alertou que sua proposta violaria o direito internacional e desestabilizaria a região.

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"A França reitera sua oposição a qualquer deslocamento forçado da população palestina de Gaza, o que constituiria uma grave violação do direito internacional, um ataque às legítimas aspirações dos palestinos, mas também um grande obstáculo à solução de dois Estados e um grande fator de desestabilização para nossos parceiros próximos, Egito e Jordânia, bem como para toda a região", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Christophe Lemoine, em um comunicado.

Lemoine ainda destacou que o futuro de Gaza deve estar no contexto de um futuro Estado palestino e não deve ser controlado por um terceiro país.

Reino Unido

Outro tradicional aliado americano, o Reino Unido, se negou a ver o plano como base de uma discussão. "Precisamos ver os palestinos capazes de viver e prosperar em suas terras natais em Gaza e na Cisjordânia. É a isso que queremos chegar", disse David Lammy, chefe da diplomacia britânica, em uma coletiva de imprensa em Kiev, capital da Ucrânia.

Horas depois, o primeiro-ministro Keir Starmer defendeu que os palestinos "devem ter permissão para voltar para casa".

"Eles precisam ter permissão para voltar para casa. Eles precisam ter permissão para reconstruir, e nós devemos estar com eles nessa reconstrução, no caminho para uma solução de dois Estados", disse.

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China: contra 'transferência forçada'

Nesta quarta-feira, a China alertou que irá se opor à "transferência forçada" de palestinos da Faixa de Gaza. "A China sempre defendeu que o governo palestino sobre os palestinos é o princípio básico da governança de Gaza no pós-guerra, e nos opomos à transferência forçada dos residentes de Gaza", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian.

Rússia

O governo de Vladimir Putin foi outro que rejeitou a iniciativa. "Há planos israelenses para assumir o controle total da Cisjordânia ocupada e tentativas de deslocar os palestinos da Faixa de Gaza", disse o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov.

A Rússia acredita que um acordo no Oriente Médio só é possível com base em uma solução de dois Estados, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.

ONU alerta para ilegalidade do ato e denuncia limpeza étnica

A crise levou a ONU a reagir. "Qualquer deslocamento forçado de pessoas equivale a uma limpeza étnica", disse Stephan Dujarric, porta-voz da ONU e antecipando os comentários que o chefe da ONU, António Guterres, fará ainda hoje.

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O secretário-geral da ONU acredita que qualquer solução para Gaza deve "permanecer fiel à base do direito internacional" e não piorar o problema, disse ele. "É essencial evitar qualquer forma de limpeza étnica. E, é claro, ele reafirmará a solução de dois Estados", disse.

Já o Escritório de Direitos Humanos da ONU afirmou que o plano de Donald Trump para esvaziar Gaza de palestinos e tomar o território é ilegal e violaria o direito internacional humanitário.

"Qualquer transferência à força ou deportação de pessoas de um território ocupado viola o direito internacional", disse a ONU. "É crucial que avancemos para a próxima fase do cessar-fogo, para libertar todos os reféns e prisioneiros detidos arbitrariamente, acabar com a guerra e reconstruir Gaza, com total respeito ao direito internacional humanitário e ao direito internacional dos direitos humanos", confirmou.

"O direito à autodeterminação é um princípio fundamental do direito internacional e deve ser protegido por todos os Estados, como a Corte Internacional de Justiça recentemente enfatizou. Qualquer transferência forçada ou deportação de pessoas do território ocupado é estritamente proibida", disse o alto comissário da ONU para Direitos Humanos, Volker Türk, em um comunicado.

Carta alertou EUA a não seguir na proposta de esvaziamento de Gaza

Nos bastidores, os governos no Oriente Médio não esperaram pelo anúncio de Trump, na noite de terça-feira, para reagir. No dia 3 de fevereiro, Egito, Jordânia e um grupo de países árabes enviaram uma carta ao secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, alertando sobre o risco de uma expulsão dos palestinos.

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"A reconstrução em Gaza deve ser feita por meio do envolvimento direto e da participação da população de Gaza", alertou o documento, obtido pelo UOL. "Os palestinos viverão em sua terra e ajudarão a reconstruí-la, e não devem ser destituídos de seu poder de ação durante a reconstrução, pois devem se apropriar do processo com o apoio da comunidade internacional", disse.

"Há uma mobilização regional em andamento com a comunidade internacional para iniciar a reconstrução de Gaza, que culminará em uma conferência internacional a ser sediada pelo Egito em parceria com as Nações Unidas", apontaram.

Veto americano impede sanções contra Trump

Apesar de declarar a ilegalidade da proposta, a ONU tem seus poderes limitados por suas próprias regras. O governo americano tem o poder de veto e, portanto, o Conselho de Segurança será incapaz de colocar qualquer tipo de sanção contra Trump, mesmo que haja um acordo entre todos os demais países.

O alerta da ONU ocorre no momento em que a comunidade se organiza para que, em meados do ano, uma conferência internacional seja convocada para estabelecer um Estado palestino.

Oficialmente, a conferência marcada para ocorrer em Nova York em junho servirá para implementar a "solução a dois estados". Ou seja, um estado palestino e um estado israelense convivendo lado a lado, com fronteiras internacionais reconhecidas. O evento terá como missão "desenhar de forma urgente um caminho irreversível para um acordo pacífico sobre a questão palestina".

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O Brasil votou a favor da proposta de convocação da cúpula, enquanto a Argentina de Javier Milei foi um dos poucos a votar contra. EUA, Hungria e Israel se negaram a apoiar a proposta.

No momento da convocação do encontro, governo americano ainda de Joe Biden insistiu que, ainda que apoie a ideia de dois Estados, apenas uma negociação entre Israel e as autoridades palestinas poderiam levar a esse cenário.

Hoje, 144 países dos 193 membros da ONU já reconheceram o Estado palestino, Brasil entre eles.

O presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou também que ele e o líder da Arábia Saudita, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, copresidirão a conferência sobre o estabelecimento de um Estado palestino em junho.

A iniciativa para a conferência em 2025 faz parte de uma ofensiva diplomática por parte dos palestinos, depois que ficou claro que a inexistência de um Estado foi um dos motivos que permitiu que Israel realizasse um ataque sem qualquer constrangimento sobre Gaza.

A ONU já permitiu, desde setembro, que os palestinos assumam um assento oficial na Assembleia Geral em Nova York. A diplomacia palestina apresentou, imediatamente depois, uma resolução pedindo a retirada de Israel dos territórios ocupados num prazo de um ano. Tratou-se da primeira resolução de autoria dos palestinos, em mais de 70 anos da ONU, e foi aprovada.

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Mas, agora, a conferência teria sérias dificuldades, principalmente diante da proposta de Trump.

Reportagem

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