Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Deus não deveria ter partido político, mas para Bolsonaro Ele tem
A partidarização de Deus no ambiente político é antiga como já se sabe. Muitos povos engendrados nesse imaginário da figura de Deus católico judaico-cristã já tentaram nacionalizar o Ser Divino. Na literatura, por exemplo, podemos lembrar do famoso "Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda", do século 17, quando o então padre Antônio Vieira proferiu um dos mais contundentes sermões de cunho político e religioso da época.
O discurso de Vieira era, na verdade, uma reação às tentativas de invasão holandesa no Brasil pelo Nordeste, especificamente na região do Recôncavo baiano. O padre de modo corajoso, dado o da época em que a religião católica tinha um peso muito grande na sociedade, decide estabelecer uma conversa franca e direta com Deus. Um olho no olho, como se diz, sobre as sucessivas derrotadas que o império português vinha sofrendo. Ora, para Vieira, não havia dúvidas: Deus era português. Segundo sua crença Deus havia escolhido o povo português para a grande missão de evangelizar o mundo.
Nesse raciocínio messiânico, Padre Antônio Vieira não só evoca Deus neste sermão, mas também o pressiona para despertar. Já de início, Vieira abre seu discurso com uma citação do Salmo 43, de Davi, que diz o seguinte: "Desperta! Porque dormes, Senhor? Acorda! Não nos rejeites para sempre!". Ou seja, não se trata de uma oração, mas de um protesto. Vieira põe Deus contra a parede. Pois se Deus é português, por que não os ajuda a derrotar os Holandeses? Isto é, Vieira empreende aqui um discurso do bem contra o mal, chama os holandeses de hereges e acredita que Deus precisa acordar e voltar a pertencer a Portugal.
Logicamente que estamos falando de um padre erudito, intelectualizado e com uma oratória discursiva e argumentativa complexa e sofisticada, o que não é o caso de Bolsonaro. Bolsonaro é um caos quando se trata de discursar. Com um vocabulário pobre e limitado, ele atende grande parte do seu eleitorado que confunde pobreza intelectual com "o jeito simples" do presidente. Entretanto por mais precária que seja, a oratório e o discurso religioso de Bolsonaro e de seus "Apóstolos" encontra êxito na comunicação. A apelação e o aceno aos evangélicos carrega uma carga simbólica forte o suficiente para mantê-lo na preferência dos pastores e seu rebanho.
É Justamente nesse sentido que a partidarização de Deus tem a mesma raiz do discurso de Vieira. Ambos estão convencidos de que Deus tem um lado. Que Deus escolheu um povo. E que o mal precisa ser derrotado. No entanto, a diferença é que enquanto Padre Antônio Vieira pressiona Deus para que tome uma atitude e ajude os portugueses, Bolsonaro se coloca ou é colocado como o próprio Deus. Deus foi sequestrado pelo bolsonarismo e o preço a ser pago pelo resgate é a própria democracia.
Ser chamado de Mito é uma associação direta ao de ser comparado a Deus. Em seus delírios, os seguidores do presidente o elevam como "o grande escolhido", o "ungido", "O messias", mas não apenas para ser um enviado que acabará com todo o mal, ou para usar as palavras de Michele Bolsonaro, acabar com os demônios no Palácio do Planalto, Bolsonaro veio para ocupar o lugar de Deus. Nessa toada, Deus tem um partido e ele é bolsonarista.
Deus é pró-armas. Se padre Antônio Viera desejava que Deus ajudasse os portugueses a terem sucesso com "armas contra os Holandeses", o bolsonarismo se utiliza da imagem de Deus para nos fazer acreditar, por exemplo, que o discurso armamentista tem a ver com a paz, que tem a ver com o desejo do Senhor, num completo e escandaloso desvio das doutrinas cristãs bíblicas. Deus que tudo criou, inclusive a ciência, é antivacinas, segundo Bolsonaro. O Deus bolsonarista não gosta de mulheres. O Deus bolsonarista não gosta dos pretos. O Deus bolsonarista não gosta da diversidade. O Deus bolsonarista não respeita a diferença. O Deus bolsonarista não ama e não conhece o amor.
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