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Jeferson Tenório

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O preconceito mais ao sul: do Hino racista a Olavo de Carvalho

Jeferson Tenório

Colunista do UOL

12/09/2022 04h00

Se você chega pela primeira vez em Porto Alegre e vai direto ao centro da cidade, pode ter uma sensação de diversidade de pessoas ao caminhar pelas ruas. A população negra e mestiça é vista circulando pelos espaços centrais. Entretanto, é só seguir por alguns metros até a orla do Rio Guaíba, para perceber que a diversidade tem limites, e que existe uma segregação racial silenciosa.

O espaço chamado de Usina do Gasômetro é um dos cartões postais da cidade. O lugar foi revitalizado com o apoio do poder público e privado. Há muitas quadras de esportes, bares e áreas de lazer. No fim de semana a orla enche de visitantes. Há de tudo: gente correndo, de bicicleta, skate, caminhando ou tomando o típico chimarrão. Há também vendedores ambulantes, grupos de adolescentes negros ouvindo funk ou sertanejo nas famosas caixinhas de som JBL e, claro, muito policiamento.

Acontece que em setembro do ano passado foi aberto, do outro lado da Usina, um espaço chamado "Cais Embarcadero". É um espaço público com cara de privado. Ali a há lojas de roupas e sapatos. Os bares têm uma arquitetura mais sofisticada e clean, pessoas glamurosas tomando drinks e champanhe no final de tarde. E o mais chocante: é um espaço público, mas não há pessoas negras, em nenhuma parte. Os negros que existem ali estão atrás do balcão atendendo. Curiosamente não há policiamento, nem viaturas com sirenes ligadas, nem vendedores ambulantes e nem caixinhas da JBL tocando. Para quem tem um olhar treinado como o meu para identificar ambientes monocromático branco, caminhar por espaços assim me causa perplexidade, mesmo numa cidade racista como Porto Alegre.

As tentativas de apagamento da contribuição e identidade negra na cidade vem de longa data. Desde o não reconhecimento de intelectuais negros, como o poeta Oliveira Silveira até a vergonha social de admitir que a cidade mantém incontáveis casas de religião de matriz africana, como candomblé e Umbanda. Além da perda progressiva dos espaços centrais ocupados antes por comunidades quilombolas.

Desde que a banca negra, integrada pelos vereadores Bruna Rodrigues (PCdoB). Karen Santos (PSOL), Matheus Gomes (PSOL), Daiana Santos (PCdoB) e Laura Sito (PT) assumiu, a luta tem sido grande para lidar com a hostilidade de políticos da base do governo federal e estadual. Além de constantemente serem alvos de ameaças e xingamentos pela internet. Os vereadores lutam para reverter esse continuo processo de pagamento identitário negro na cidade.

Ao tomarem posse, por exemplo, os vereadores se recusaram a levantar durante a execução do Hino Riograndense. Já que se trata de um hino de cunho racista ao tratar escravizados como um povo sem virtudes (aliás, o Rio Grande do Sul realmente é um Estado a ser estudado, pois em nenhum outro lugar do país um hino estadual é tão conhecido e cantado por seus habitantes, talvez o seu conteúdo racista explique alguma coisa)

Pois, como se não bastasse, dias atrás, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou por 18 votos a 9, nomear uma rua de "Filósofo Olavo de Carvalho".

Bem, como se sabe Olavo de Carvalho não tinha formação em filosofia, era anti-vacina e defendia a ideia da terra plana. A comandante Nádia (PP) é a autora do projeto. No texto aprovado pelos parlamentares diz que Olavo foi um autodidata e que é um dos principais difusores de ideias no Brasil, sendo um grande crítico do pensamento coletivo nacional. Nádia também comparou Olavo de Carvalho à Marielle Franco (vereadora assassinada em 2018), ao dizer que se ela tem nome de rua, Olavo também poderia ter.

A rua em questão fica no bairro Orfanatrófio, região periférica de Porto Alegre. A via carrega o nome da líder comunitária negra "Odília Feliciano de Souza", que há 50 anos, fundou o clube de mães e a creche comunitária no bairro. Sem nenhum diálogo com a moradores, o projeto foi aprovado pelos vereadores, o que demostra novamente que o apagamento identitário negro na cidade é uma estratégia perversa de grupos conservadores de extrema direita. O projeto da rua Olavo Carvalho ainda precisa passar pela aprovação do prefeito Sebastião Melo.

Pelo andar da carruagem, a bancada negra de Porto Alegre terá mesmo muito trabalho pela frente.