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Jeferson Tenório

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como manter a sanidade mental diante de pais bolsonaristas?

Jeferson Tenório

Colunista do UOL

16/01/2023 04h00

Talvez as eleições de 2018 tenham sido um marco para algumas famílias brasileiras. Com a vitória de Bolsonaro e a perspectiva do avanço da extrema-direita tenham causado um estrago não só nas relações familiares, mas também na saúde mental dos filhos de pais reacionários. Lembro na época de alguns relatos de amigos próximos tendo embates e discussões violentas com seus pais sobre as ideologias fascistas de Bolsonaro.

Eram relatos doídos e carregados de uma completa incompreensão de filhos que não entendiam como seus pais podiam aprovar e endossar tamanha violência dos discursos bolsonaristas. E como se não bastasse todo esse cenário político bélico, tivemos ainda a pandemia e as relações, já abaladas pela política, ganharam um contorno ainda mais trágico.

O fato é que ninguém nos ensina a ser filho. Um dia tomamos consciência do mundo ao nosso redor. Entendemos que viver é perigoso. Crescemos e descobrimos que nossos pais erram - e às vezes erram feio. E que eles podem não ser boas pessoas. Que podem ser racistas, homofóbicos, misóginos e reacionários. Então, após essa descoberta a gente se pergunta como fazer para superar as questões ideológicas tão díspares do que acreditamos?

Outro dia conversando com uma amiga ela me disse que não teve dúvidas em romper radicalmente com a família bolsonarista após as eleições de 2018. Simplesmente comunicou os pais que não iria mais frequentar a casa deles. Deixou de ir aos almoços de domingo, nas festas final de ano e passou a ter apenas uma relação diplomática, evitando o convívio familiar desde então.

A decisão foi radical, mas ela disse que para ela foi importante, porque era uma questão de manter a sanidade metal. Pois, como é possível conviver com pessoas que pensam e agem de forma tão diferentes de nossos valores? O relato dado ao TAB Uol, dias atrás, intitulado "Meus pais foram presos em Brasília. Fiz tudo o que podia para ajudá-los" revela uma cena desoladora e triste de filhos que não embarcaram na onda golpista dos pais. Que tentaram em vão dissuadi-los de seus atos criminosos.

Não tenho dados concretos, mas tenho uma percepção de que esses rompimentos entre filhos e pais reacionários tem se tornado mais comum do que se imagina. O que nos leva a refletir sobre os impactos desses rompimentos na sociedade. Isto é, qual é o limite entre a ideologia e o afeto? Até que ponto suportamos tolerar parentes que defendem pautas que nos agridem e nos ofendem? Vale tudo para manter os laços familiares?

A questão é complexa porque a conjuntura familiar, seja ela qual for, nunca é simples. No entanto, vemos uma parte de uma geração que compreendeu que pode escolher com quem quer conviver. Que o distanciamento como estratégia para manter a sanidade mental é um recurso radical, mas possível. E que já não vem acompanhado de culpa, mas de alívio. Neste sentido, o argumento de "mas ele é seu pai" ou "ela é sua mãe" e por isso não se pode romper, parte do pressuposto de que os laços sanguíneos importam mais que o bem-estar mental dos filhos. Será?

Por outro lado, tal atitude drástica também pode revelar a nossa incapacidade de lidar com a diferença. Nossa falta mesma de compreender outro e as suas motivações. Nossa impaciência e falta de interesse em escutar e compreender profundamente as vozes dissonantes.

A questão, me parece, é que há um limite nessa relação entre o afeto e a ideologia. Um limite que cada um estabelece para si. Ainda assim, por mais difícil que seja, acredito que o dialogo, até a sua exaustão, até que se gaste todos os argumentos, é necessário antes de qualquer medida mais drástica de rompimento.