Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Medo do comunismo revela um bolsonarismo sólido e enraizado
A desinformação e o antipetismo -aliados à má-fé de discursos fascistas- podem explicar os 44% de brasileiros, dados da pesquisa Ipec divulgados na semana passada, que acreditam que o Brasil possa se tornar um país comunista. A pesquisa revela o quanto o bolsonarismo continua vivo e ainda exerce um poder de convencimento em boa parte da população. Argumentos toscos e rasos de uma pretensa luta contra o comunismo, ou falas do tipo "nossa bandeira jamais será vermelha" demonstram uma eficácia discursiva muito maior do que explicações mais plausíveis e que exigem estudo e pensamento crítico.
Na verdade, podemos pensar que o discurso bolsonarista só trouxe à tona questões mal resolvidas na sociedade brasileira, como a escravidão e a ditadura. Não é à toa que temos flagrado, nos últimos meses, tantos e tantos casos de trabalhos análogos à escravidão. A mentalidade de exploração de determinados corpos continua viva. Além disso, os recentes anúncios do governo de passagens áreas a R$ 200 para estudantes e pobres de baixa renda ou ainda o preço da picanha mais barato provocam uma reação contra qualquer ideia de igualdade.
Pois não esqueçamos que a distinção social, no Brasil, é um valor. Distinguir-se de uma classe e ou de outra ainda é um argumento poderoso e reativo. Para uma classe média emergente, por exemplo, é importante manter uma exclusividade de acesso a certos bens de consumo. A partilha de aeroportos ou de resorts em Porto de Galinhas causa pânico.
A falsa simetria entre capitalismo e comunismo cria uma sensação de "nós contra eles". A sensação de um inimigo que precisa ser abatido. O que é bastante útil para um discurso fascista que acredita na aniquilação não só de quem é diferente, caso dos yanomamis, por exemplo, mas também de quem pensa diferente.
Agora, para quem vai um pouco além de associar o comunismo a modelos utilizados na China, em Cuba ou na Venezuela ou ainda associá-lo ao regime stalinista, por exemplo, percebe, sem muito esforço, que o comunismo é mais um modelo ideológico/político do que propriamente econômico.
Isto significa dizer que o comunismo é, grosso modo, o resultado de um processo revolucionário em que a propriedade dos meios de produção é transferida aos trabalhadores. Além disso, dentro desse modelo, as classes sociais e o poder do Estado seriam abolidos.
A simetria é falsa porque o capitalismo é mais do que um modelo ideológico/político. O capitalismo é um fenômeno. O capitalismo opera numa lógica cultural, portanto, muito mais profundo que qualquer outro modelo. Isto significa dizer que este sistema se torna imbatível justamente porque o capitalismo é bastante poroso, flexível e maleável, pois ele incorpora todos os discursos, inclusive os de seus algozes. O capitalismo absorve e valora tudo: as críticas, as mentalidades, os sonhos e a nossa própria ideia de identidade. O mercado tornou-se, portanto, o próprio substituto da cultura. Não há, num sentido cultural, como fugir do capitalismo com a mentalidade que temos hoje.
Segundo o teórico marxista Fredric Jameson, o capitalismo foi, ao mesmo tempo, a melhor e a pior coisa que já aconteceu na humanidade, ou seja, a evolução desse sistema se dá pelo progresso e pela catástrofe. Para Jameson, o que está em jogo não é provar se o capitalismo é bom ou ruim, mas o efeito desse sistema econômico nas pessoas.
Lembro de certa vez em que, discutindo com meus alunos do ensino médio de uma escola particular de classe média alta sobre o livro "A revolução dos bichos", de George Orwell, lancei a seguinte pergunta: para vocês, o capitalismo deu certo? Houve um silencio por uns minutos, até que um aluno levantou a mão e disse: "Sim, acho que deu certo, sim, eu tenho conforto, comida boa, uma escola, então eu acho que deu certo, mas quando vejo alguém pedindo dinheiro na rua percebo que capitalismo deu errado". Sem saber, aquele aluno sintetizou com simplicidade a essência do capitalismo: progresso e catástrofe.
Trouxe essa reflexão não só para mostrar o quanto é fantasiosa e estapafúrdia a ameaça do comunismo no Brasil, mas também para fazer um alerta de que é preciso encontrar outras formas de comunicação para o grande público. Compreender que o combate a desinformação, fake news e a discursos de ódio deve ser implacável. No entanto, se não optarmos também pelo caminho da Educação é muito provável que o fantasma do comunismo continue a assombrar esses 44% de brasileiros por uns bons anos.
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