Jeferson Tenório

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Opinião

Prefeito de Porto Alegre 'troca' de cor às vésperas das eleições

Após 20 anos de vida pública na política, o atual prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo se autodeclarou pardo. Nas nove eleições anteriores em que disputou, o prefeito concorreu como branco. Em nota, o MDB diz que se trata de uma "reparação histórica". Sebastião tenta a reeleição em meio às críticas de má gestão da cidade durante as enchentes.

Adversários do prefeito questionaram a mudança em suas redes sociais: "Depois de disputar 11 eleições, Sebastião Melo resolveu dizer que é pardo. A única correção que ele está fazendo é financeira. Oportunista!", escreveu a deputada estadual Laura Sito (PT-RS).

A acusação de oportunismo financeiro diz respeito a legislação eleitoral brasileira que prevê um incentivo para aumentar a representatividade de pretos e pardos, que juntos constituem o grupo negro.

Os partidos recebem recursos adicionais do FEFC (Fundo Especial de Financiamento de Campanha) e do Fundo Partidário, proporcionais à quantidade de candidatos negros ou pardos que lançam, visando promover maior inclusão racial na política e melhor distribuição de recursos entre candidatos.

Em 2022, ACM Neto, que disputou o governo da Bahia, também foi duramente criticado ao se autodeclarar pardo. Na época, o candidato foi acusado, inclusive, de ter feito bronzeamento artificial para parecer mais "negro". ACM rebateu as críticas dizendo que sempre se autodeclarou como pardo e que houve um erro jurídico, que foi rapidamente corrigido.

O fato é que ao menos 42 mil candidatos nas eleições municipais deste ano mudaram a declaração de cor e raça que deram em 2020.

Sabemos que a autodeclaração possui elementos subjetivos e que este aumento também pode significar maior consciência racial da população. No entanto, é preciso ter cuidado quando entramos no campo político, nas esferas de poder e no direcionamento de recursos públicos.

No caso Sebastião Melo, a questão se agrava porque, além de ter o questionamento se ele é de fato pardo, pois nunca foi visto assim por outras pessoas, existe um histórico de 20 anos de passabilidade, de acesso facilitado e de privilégios adquiridos por ter a cor mais clara. Além disso, "trocar" a cor às vésperas das eleições cria um clima de constrangimento à sua campanha.

Não se pode esquecer que no Brasil o racismo estabelece uma hierarquização de privilégios para quem é mais claro. No entanto, os tempos mudaram. As políticas públicas avançaram. Cotas raciais foram criadas nas universidades e na política, fruto de lutas históricas de movimentos e coletivos negros e, a partir dessa nova realidade, ser preto e pardo, em certos casos, passou a ser conveniente para quem nunca se preocupou com essas questões.

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É preciso lembrar também que, embora seja um termo controverso, a classificação "pardo" também é resultado de lutas do movimento negro para incluir uma grande parcela da sociedade no Censo e, assim, poder assistir melhor essa população que sofre com as desigualdades e com o racismo.

Precisamos estar atentos, pois em se tratando de questões tão sérias, não se pode banalizar, e tampouco ser oportunista, num país que ainda sofre com as heranças nefastas da escravidão.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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