O Brasil é que deveria pedir desculpas a Rafaela
"Eu trabalhei muito por essa medalha. Eu queria estar dando outra entrevista, mas peço desculpas, hoje eu não consegui". As palavras são de Rafaela Silva, instantes depois de ser eliminada das Olímpiadas no judô.
Em lágrimas, instantes depois de sair do tatame, ainda ofegante, Rafaela é chamada por um repórter para que ela dê uma entrevista no "calor da hora". A imagem é extremamente desconfortável, incomoda porque é nítida a exploração da fragilidade de uma atleta de alto nível, colocada numa situação no mínimo constrangedora e triste.
A espetacularização da derrota se sobrepõe às conquistas que fizeram Rafaela chegar aonde chegou. O que chama a atenção na cena é a exploração da imagem da derrota pelo jornalismo e pela mídia em geral. Um certo sadismo ao ver uma figura negra, oriunda da periferia, aos prantos e pedindo desculpas por não ter vencido.
Rafaela é nascida e criada na comunidade da Cidade de Deus. Aos 8 anos, entrou no Instituto Reação pois seus pais buscavam uma alternativa que pudesse tirá-la das brigas de rua. O talento de Rafaela logo veio à tona. Aos 16 anos, tornou-se campeã mundial júnior. Aos 20, disputou seus primeiros Jogos Olímpicos e, aos 21, conquistou a 1ª medalha de ouro do judô feminino brasileiro no Campeonato Mundial Sênior. Ainda nos Jogos Olímpicos Rio 2016, Rafaela fez história ao ganhar o 1º ouro do Brasil na edição, tornando-se a única mulher brasileira com o título mundial e olímpico na modalidade.
Sabemos que esportes de alto rendimento exigem uma disciplina tanto física quanto mental por vezes sobre-humana, mas o modelo meritocrático do esporte em competições assim cria a ilusão de que, se um atleta não venceu, é porque não se esforçou o bastante. O esporte olímpico é para poucos. É elitista também, quando fazemos o recorte de raça e classe social. Grande parte dos atletas negros e negras brasileiras que chegam às olimpíadas são oriundas de projetos sociais.
Esta constatação demostra a importância que esses projetos têm em comunidade periféricas, mas também revela a precariedade e a desigualdade social nessas comunidades, historicamente abandonadas por sucessivos governos, criando uma narrativa de que o "esporte salva".
Na periferia, ter o poder de escolher é algo raro. Quando um menino ou uma menina entra para um esporte, muitas vezes não é uma escolha, mas uma "oportunidade que apareceu", justamente porque a vida dura, atribulada e violenta não permite muito tempo para reflexão no mesmo nível de alguém que já tem as necessidades básicas atendidas. Escolher é um privilégio para poucos.
Não temos dúvidas de que Rafaela trabalhou muito por uma medalha, mas não é Rafaela que precisa pedir desculpas por não conseguir trazer uma medalha. É o Brasil, com essa estrutura desigual e excludente que precisa sempre se desculpar com atletas iguais a ela.
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