Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Novo Ensino Médio traz modelo desastroso para a educação brasileira
Fui professor durante vinte anos nas redes públicas e privadas. Ao longo desse tempo, passei por diversos programas, projetos, planos e tentativas de "qualificar" o ensino no Brasil. Além disso, enquanto aluno, também acompanhei uma série de mudanças, de implementação de novos currículos, interrupções, destruição, reconstrução e retomadas. O fato é que os anos passaram, e a educação brasileira segue sendo um grande rascunho de um projeto intermitente e à deriva.
Aprendi que, em se tratando da educação, não existe solução simples. Muito menos a curto prazo. Não podemos esquecer que somos um país de dimensões continentais. Portanto, encontrar um modelo de escola ou de currículo único para todos é uma missão quase impossível. As realidades são muito diferentes. E a reforma do ensino médio parece aumentar esse fosso das desigualdades.
Desconfio sempre de soluções mágicas e rápidas para a educação. Existe uma complexidade que está para além do simples aumento de carga horária ou deixar o aluno decidir o que quer estudar.
A proposta da reforma prevê que as 2.400 horas passem para 3.000 horas, divididas em 60% para as disciplinas regulares, como matemática e português, e 40% para os chamados itinerários formativos, ou seja, disciplinas optativas em que o estudante escolhe de acordo com o interesse dele. Como projeto na planta, é um modelo bem atraente, mas vejamos os entraves:
As disciplinas como filosofia e sociologia, por exemplo, foram excluídas para dar lugar aos itinerários formativos. O que é bastante preocupante, pois uma escola que não tem, na sua grade curricular, disciplinas básicas como essas corre o sério risco de banalizar o compromisso com ética e com a responsabilidade social. Pois como formar estudantes com pensamento crítico e que possam aprender a ter uma postura ética e evitar, quem sabe, tragédias como as dos últimos ataques nas escolas e creches? Além disso, esses itinerários tendem a aproximar a educação do mundo do trabalho, o que, de certo modo, precariza a educação, que tem como principal objetivo, antes de tudo, formar bons cidadãos.
Lembremos que o Novo Ensino Médio foi aprovado com uma canetada no governo de Michel Temer, sem discussão, sem debate e sem a sensibilidade para entender que não há uma estrutura básica para atender as demandas desse novo plano de educação. O que, por outro lado, acaba provocando uma grande angústia nos profissionais da comunidade escolar, que são pressionados a pôr em prática algo que ninguém sabe muito bem como fazer.
Além disso, a pandemia e o apagão na educação durante o governo Bolsonaro tornaram ainda mais inviável a implementação do novo ensino no Brasil. Nesse sentido, penso que a revogação total da reforma pode prejudicar ainda mais os estudantes, mas, do jeito que está, também causa prejuízos enormes para o ensino.
A suspensão da implementação do cronograma do Novo Ensino Médio, imposta pelo governo Lula, talvez tenha sido o melhor a se fazer agora. Parar o processo por algum tempo pode ser importante. Pois é necessário discutir, conversar e debater com especialistas, educadores e comunidade escolar. 60 dias é pouco, muito pouco, mas já é um começo.
A verdade é que o modelo do ensino médio antigo não vinha dando certo, sabemos disso. No entanto, mais do que promover uma reforma, é preciso, antes de tudo, investir na valorização do educador, pois que tipo de aula um professor de escola pública que enfrenta uma jornada de 3 turnos, em escolas diferentes, vai dar? Que tipo de aula é possível diante de escolas que não têm banheiro funcionando ou que não têm um laboratório básico para disciplinas de ciências?
A reforma do ensino médio não resolverá a precariedade da educação. Entretanto, entendo que a revogação do projeto poderia causar mais confusão e atraso. É preciso, pois, compreender que, sem um investimento massivo na educação, não teremos resultados positivos tão cedo.
O Novo Ensino Médio tem boas intenções, mas, nessas condições, é um modelo inviável e desastroso. E não esqueçamos que, de boas intenções, o inferno...
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