Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O Carrefour pode atuar em um país de maioria negra?
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Em 2017, uma mulher negra foi pega furtando um quilo de asas de frango para comer. Após ser abordada por seguranças, ela diz ter sido torturada, espancada e estuprada. O caso ocorreu no Carrefour do NorteShopping, em Cachambi, zona norte do Rio de janeiro. A empresa negou as acusações.
Em 2018, um cachorro de rua foi envenenado e espancado por um funcionário do Carrefour, em Osasco, região metropolitana de São Paulo.
Em 2009, seguranças agrediram o vigia e técnico em eletrônica Januário Alves de Santana, homem negro, de 39 anos, no estacionamento de uma unidade em Osasco, por ter sido confundido com um ladrão e acusado de roubar o próprio carro, um EcoSport.
Em 2018, Luís Carlos Gomes, homem negro, deficiente físico, foi espancado no banheiro do Carrefour, em São Bernardo do Campo. A justificativa: abriu uma lata de cerveja dentro da unidade.
Em 2020, véspera do Dia da Consciência Negra, após discutir com uma funcionária, João Alberto Silveira, homem negro, foi espancado por dois seguranças brancos até a morte. O caso ocorreu em uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre.
Em 2020, um funcionário terceirizado morreu num corredor do Carrefour, em Recife. O corpo foi "escondido" pelos próprios funcionários embaixo de guarda-sóis. O supermercado continuou funcionando normalmente.
Em 2023, a professora Isabel Oliveira, mulher negra, ao ser perseguida por um segurança da loja, teve de tirar a roupa e ficar apenas com roupas intimas para provar que não estava roubando nada. O caso aconteceu no Atacadão Parolin, ligado à rede Carrefour.
Em 2023, uma funcionária do Carrefour, em Alphaville, São Paulo, se recusou a atender o advogado Vinicius de Paula, homem negro. No entanto, minutos depois a mesma funcionária atendeu uma mulher branca.
Em 2023, um casal negro foi torturado, espancado e humilhado por funcionários de um mercado do Grupo Carrefour, em Salvador, por terem furtado uma lata de leite em pó para dar a filha. No vídeo, gravado pelos próprios agressores, é possível ver as cenas brutais.
A empresa não teve como negar os demais oito episódios.
Como se pode ver, o histórico de violência e racismo da rede Carrefour é bastante recorrente e volumoso, de modo que me parece cinismo dizer que se trata de situações isoladas. Com tantos casos, é possível afirmar que questão tem a ver com um procedimento e um método racista sistemático da empresa.
Desde a morte de João Alberto, o Carrefour assumiu, ainda que tardiamente, compromissos públicos. Criou um fundo antirracista, no valor de R$ 115 milhões, validos por três anos. Segundo o Carrefour, esse fundo seria destinado a ações internas de combate à discriminação racial. A maior parte do investimento seria destinado a bolsas de educação formal e de qualificação profissional, empreendedorismo de pessoas negras e projetos socioculturais, além de campanhas educacionais.
O Grupo Carrefour já indenizou todos os membros da família de João Alberto Silveira Freitas, além de convidar o jurista e agora ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, para o comitê externo antirracista da empresa.
Entretanto, apesar das ações e compromissos públicos, os casos de racismo, violência, constrangimentos e humilhações seguem fazendo parte da história do grupo. Certamente, estamos lidando com o efeito do racismo estrutural solidificado na sociedade brasileira, mas essa situação não pode ser usada como desculpa para casos recorrentes da empresa.
Talvez seja o caso de pensarmos que o Carrefour não tem condições de continuar atuando no mercado brasileiro, já que suas ações antirracistas parecem não surtir efeito prático na própria empresa. Os negros compõem mais de metade da população do país.
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