Jeferson Tenório

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Opinião

Remoção forçada nas ruas é violenta e paliativa

Transformar as cidades em "Higienópolis" é o objetivo de governos que optam por fazer remoções forçada de moradores de rua. A violência com que são feitas essas remoções é resultado da omissão histórica do Estado e promove, de maneira cíclica, uma espécie de eugenia nos grandes centros urbanos.

O uso da força e sem dar as condições mínimas a quem já não tem quase nada demostra uma incapacidade secular de solucionar um problema grave, mas que foi sendo naturalizado pela sociedade, isto é, um morador de rua perde sua humanidade quando começa a fazer parte da paisagem urbana. Deixa de ser uma pessoa e passa a ser um elemento que "degrada" o ambiente.

Certa vez, eu estava na fila de um banco esperando para ser atendido, quando, do lado de fora, um morador de rua começou a gritar para as pessoas que passavam que não queria dinheiro. Visivelmente alterado pelo desespero ele dizia: "Olhem pra mim, olhem pra mim."

As ações de remoção forçada de quem está em situação de rua vêm se intensificando ano após ano. São Paulo, hoje, por exemplo, enfrenta uma das piores crises na região central. Na semana passada a polícia prendeu 18 pessoas envolvidas com o tráfico de drogas. Entretanto, ações como essas não enfrentam o problema com toda a complexidade que a situação exige.

Na última terça feira (25), o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou que o governo federal crie, em 120 dias, um plano de ação e monitoramento para que seja implementada uma política nacional para a população em situação de rua. No documento, Moraes também ordenou que o Poder Executivo deve zelar pela segurança pessoal e dos bens das pessoas removidas das ruas em abrigos institucionais. Além disso, o ministro também proibiu o recolhimento forçado de bens e pertences e ordenou que seja disponibilizado apoio da vigilância sanitária para garantir abrigo aos animais dos moradores de rua.

As medidas, se colocadas em prática, podem trazer algum alento, no que diz respeito ao mínimo de dignidade. Entretanto, o problema, obviamente não se resolverá em 120 dias. Mas no período será possível diagnosticar a situação dessas pessoas e assim criar estratégias para atender melhor os moradores rua.

Na verdade, o que está em jogo é a naturalização de uma mazela histórica com iniciativas e descontinuidade de programas importantes, muitas vezes devido a troca de governos. O uso da força do Estado nesses ambientes traz, além de mais violência, soluções paliativas que não atacam o cerne do problema: a desigualdade.

A arquitetura hostil, denunciada muitas vezes pelo padre Júlio Lancellotti, que reúne técnicas perversas para afastar e impedir a ocupação de espaços e que dificultam o acesso da população de rua a serviços públicos, ainda é utilizada de maneira indiscriminadas nas cidades, praças e prédios.

A violação dos direitos humanos tem sido recorrente com os moradores de rua. A falta de planejamento e de integração entre os diversos setores como saúde, moradia, assistência social e psicológica impedem que o problema seja de fato solucionado. Não há mais como empurrar essas pessoas para "quartos de despejos", como escreveu a escritora Carolina Maria de Jesus.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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