Jeferson Tenório

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Opinião

Questionar a lista de livros da Fuvest é um efeito colateral das mudanças

Com os avanços das políticas de ações afirmativas que têm trazido grande impacto na sociedade e ajudado nas mudanças de mentalidade, as reações a elas também chegam. As transformações significativas não ocorrem sem tensões e que, em certa medida, são importantes para trazer reflexões. As dissonâncias ajudam a construir ideias. Questionar a Fuvest por excluir autores homens na sua lista de livros para o vestibular é um efeito colateral dessas mudanças.

Acho interessante identificar que a lógica da crítica à Fuvest atende a uma lógica de exclusão colonialista, ou seja, dentro desse sistema de pensamento, ter uma lista só de livros escritos por mulheres significa um processo de exclusão permanente dos homens. Um banimento da história da literatura. Isto é, nessa lógica colonial, para que um exista, o outro precisa desaparecer. Como se uma lista de vestibular tivesse todo esse poder. Coisa que não tem, e nem é essa intenção.

Esse tipo de pensamento demostra uma fragilidade patriarcal que vê em qualquer movimento de avanço um indício de exclusão e aniquilamento. Demostra também um desconhecimento do que significa decolonialidade.

O que me obriga a ser didático: em primeiro lugar, de modo muito simples, a decolonialidade não quer mudar a lei da gravidade. As leis das físicas continuaram sendo as mesmas, ninguém quer apagar a contribuição de Isaac Newton e outros homens brancos europeus.

Para quem estuda a decolonialidade com seriedade sabe que é um conceito que questiona o conhecimento produzido pela colonização e os seus efeitos na modernidade. Decolonialidade é uma atitude epistemológica, não uma lacração, como costumam dizer. Quem sempre colocou lacres em saberes alheios foi o próprio sistema colonizador. O silenciamento de outras formas de pensar é uma estratégia colonialista.

Machado de Assis, Guimaraes Rosa, Graciliano Ramos não serão esquecidos. Minha própria formação como leitor e acadêmico se deu graças a esses autores também. Uma lista de vestibular não irá privar os adolescentes de lê-los. Acredito nos professores de literatura. Eles fazem um bom trabalho. Só quem tem a experiência da sala de aula sabe como as coisas funcionam. O próprio Monteiro Lobato, autor tão questionado em seus posicionamentos racistas, continua no mesmo lugar na história da literatura brasileira.

Obviamente que podíamos utilizar esses espaços para discutir e pressionar por formas de valorização da escola básica, por exemplo, para o fortalecimento de biblioteca comunitárias, da formação de leitores, de políticas publicas que facilitem o acesso aos livros, de incentivos fiscais para que mais livrarias sejam abertas, pois, se queremos boa literatura, precisamos antes de bons leitores, mas estamos aqui discutindo a ausência de autores homens numa lista que vai durar três anos.

Não desconsidero a importância de uma lista de vestibular. Certamente causa um impacto, não só simbólico, pois o espaço acadêmico é um lugar de validação de conhecimento, mas também impacta no mercado editorial. Impacta nas aulas, nos currículos de determinadas escolas. O que é bom, pois traz uma discussão necessária.

Machado de Assis, Guimaraes Rosa e outros saíram intactos dessa. Fiquemos tranquilos. O que é bom. Com a diferença de que agora também terão a companhia de Nísia Floresta, Narcisa Amalia, Julia Lopes de Almeida, Conceição Evaristo e muitas outras. Não é exclusão, é um alargamento estético.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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