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José Luiz Portella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula da Nova Carta aos Brasileiros, nem Palocci 2003, nem Guido 2006

Foto oficial do casamento de Lula e Janja - Ricardo Stuckert
Foto oficial do casamento de Lula e Janja Imagem: Ricardo Stuckert

Colunista do UOL

23/05/2022 04h52

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Lula é um pragmático.

Significa que pode realizar qualquer coisa a depender de seus interesses. O primeiro deles é se manter no Poder.

Todavia, apesar dessas constatações, que quase todos compartilham, o processo inteiro que Lula viveu desde o impeachment de Dilma, passando pela prisão, que sempre abala qualquer um, sobretudo após ter sido presidente, e a retomada, auxiliado por Bolsonaro e suas sandices, fez de Lula uma pessoa especial, dentro do mesmo invólucro.

Lula não vai ser o mesmo, embora conserve a personalidade.

Aí está a mudança. Lula funciona como alguém que se adapta ao ambiente, como um animal que muda de cor para se proteger do predador, mas, mesmo conservando os hábitos, precisa mudar porque o habitat mudou.

Lula passou fome, viveu a pobreza, o que lhe consagra saber o que os mais vulneráveis sentem.

Por outro lado, Lula tocou no céu, falou com os maiores líderes do mundo, foi destacado por Obama, ainda que de forma lúdica. Lula comeu o manjar dos deuses e o pão que o Asmodeu amassou.

Não é o mesmo Lula de 2002, sem perder o viço. Nem alguns vícios.

Que Lula vem aí em termos econômicos?

Esta é a grande questão que o mercado financeiro busca decifrar. Para conviver.

Esqueçam a ideia de Mercado x Lula, que Pedro Jobim exibe e outros economistas, logo que Lula se eleger, o mercado, grande parte, compõe imediatamente. Tão pragmático quanto Lula.

A outra parte resiliente a Lula irá aos poucos, por conta das assessorias políticas pragmáticas do BTG, XP e outros intermediários. Os que continuarem resistindo, vão ficar para trás.

Mas, que Lula vem aí?

O mercado, como é muito assertivo e aprecia modelos estocásticos e o "branco ou preto", traduzido pelo "long- short", comprado ou vendido, reduz o mundo político, muito mais complexo, a sempre duas opções.

Lula do Palocci ou Lula do Joaquim Levy da Dilma?

Nem um, nem outro.

Certamente não será o Lula do Palocci, conforme se pode captar de seus assessores, de diferentes correntes internas.

Além da situação difícil pela qual as pessoas atravessam, com dois dígitos na inflação, juros e desemprego, que afeta ao Lula que vendeu amendoim em Santos, há uma mágoa sentida, disfarçada por Lula como só incompreensão, e "parecer querer se acertar", passada a seus assessores.

Lula é camaleão, é mágoa sim, ele não vai descontar com raiva, mas também não será o Lula da carta aos brasileiros, que buscava compor com o poder econômico.

Não será exatamente o Lula do Levy da Dilma, porque tem mais habilidade e inteligência do que Dilma, a rudimentar.

Lula vai conciliar com o mercado, com limites menos generosos do que o Lula "palocciano". Aliás, a lembrança de Palocci causa urticária em Lula, e a forma como empresários e mercado ganharam dinheiro e depois o abandonaram, está incutido na pele de Lula, para além da epiderme.

O modelo exato, passando por cada questão, reformas tributária, administrativa, política, ninguém sabe. Nem ele.

Dependerá das circunstâncias e das negociações. Lula adora negociar, e as coisas vão saindo conforme as conversações.

Como Lula é afetivo, conforme os interlocutores são gentis e carinhosos, mais avançam com Lula,

Lula é um carente, que precisa ser reconhecido pela elite por sua saga do amendoim e da fome para o Palácio do Planalto. O que não é pouco.

Todavia, é certo que Lula não se encaixará nas alternativas binárias.

Lula vai ter na economia quadros que conversam e entendem a linguagem do mercado, terá também desenvolvimentistas como Guido, turma do meio-termo, uma salada completa, onde Lula gosta de navegar e arbitrar.

Lula é autoritário.

É doce, mas cônscio de sua autoridade e de todos os interesses que gravitam em sua órbita. As pessoas pensam que estão iludindo Lula, ele pensa que está iludindo as pessoas.

Mas, de jeito ou outro, Lula vai mexer na reforma trabalhista, mais para os trabalhadores do que para o mundo corporativo,

Lula será menos mercado do que foi, pois sabe que está se aposentando. Não aguenta uma reeleição, se vencer, nem terá um Bolsonaro para usar.

Lula pensa em deixar algo histórico e por isso, vai conciliar menos do que as elites preveem, sem deixar de fazê-lo, no limite das necessidades.

Será um governo brasileiro, repleto de ambiguidades, alegria de Carnaval, jeitinho e composições com o sistema. Bem Brasil, tem de tudo.

Lula vai ser mais povo do que foi nos dois primeiros mandatos.

Pensa que a história o espera.

Os dividendos não vão passar imunes, nem a Eurásia vai ditar caminhos.

O Brasil vai ter uma social-democracia, mais cor-de-rosa do que os liberais gostam. Menos vermelha do que os identitários perseguem.

Lula não vai conseguir abrasileirar a Petrobras como parece, mas não vai nem triscar na privatização e vai reverter a Eletrobras, se estiver privatizada.

Voltam Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, de forma mais acessível aos mais pobres, e o ministro da Fazenda será Fernando Haddad, misto de político, economista, professor e advogado.

É o "enfant gâté " preferido de Lula. Se Haddad perder em São Paulo, no segundo turno.

A turma de Guido e Miriam Belchior ficariam, no caso, com o Planejamento.

Galipolo será figura de proa de Haddad, com a bênção de Lula, que gosta dele, queiram os petistas de Rui Falcão ou não.

Se Haddad ganhar em São Paulo, Galipolo arrisca-se a ser secretário da Fazenda ou assessor especial de Lula.

É, o mundo mudou, e Lula sabe disso.