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José Roberto de Toledo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cem dias de governo são fim de prazo, não comemoração

10.mar.23 - Presidente Lula durante cerimônia no Palácio do Planalto - 10.mar.23 - Adriano Machado/Reuters
10.mar.23 - Presidente Lula durante cerimônia no Palácio do Planalto Imagem: 10.mar.23 - Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

17/03/2023 17h14

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Foi a semana da desconfiança. Antes fosse só essa semana.

  • Bolsonaristas estão desconfiados de que votaram num ladrão de correntinha de ouro.

  • Donos do dinheiro desconfiam da solidez de seus bancos.

  • Lula desconfia que vai ter pouco para mostrar quando o prazo de carência do seu governo acabar.

  • Petistas desconfiam que o novo marco fiscal de Fernando Haddad agradará mais ao mercado do que aos eleitores.

E daí? O estágio seguinte da desconfiança é o medo. O medo é paralisante, todo fã de filme de terror sabe. Na vida real, o personagem mais medroso é o dinheiro. Dinheiro amedrontado foge do risco, abandona investimentos e se esconde em títulos públicos. O risco de recessão cresce. Por quê?

  • Sem dinheiro, cai o crédito

    • Sem fiado, cai o consumo

      • Sem consumo, cai a popularidade

        • Governo impopular paga mais caro.

Não chegamos lá ainda, mas Lula pressentiu o medo batendo à porta. Está ansioso e cobrando ministros para mostrar algo além de "genialidades" depois da Semana Santa, quando seu governo completará cem dias. Ele sabe que chegar lá sem uma vitrine vistosa não dá. Cem dias não é efeméride, é deadline.

Frase dita aos ministros expõe o tamanho da ansiedade presidencial:

"Nós não temos muito tempo para ficar pensando o que fazer, temos que começar a fazer."

Mas fazer sem pensar é problema. Como demonstrou o ministro Carlos Lupi (Previdência), agir contra o resto do time dá efeito contrário ao pretendido:

  • Na segunda-feira, o Conselho Nacional de Previdência Social decidiu bancar ideia do ministro Lupi e baratear os juros cobrados dos aposentados e pensionistas que tomam empréstimo consignado. De 2,14%, caíram para 1,7%. Parece justo, mas faltou combinar com os russos.

  • Nos dias seguintes, bancos privados como Bradesco e Itaú pararam de oferecer essa linha de crédito aos aposentados.

  • Em seguida, os bancos do próprio governo (BB e CEF) também suspenderam seus empréstimos. A esses juros, não vale o risco, dizem.

  • Resultado: um tipo de empréstimo que dá R$ 215 bilhões em ajuda aos mais pobres para eles sobreviverem está prestes a sumir do mercado, agravando a crise de crédito.

É o oposto do que o governo quer e precisa para evitar a recessão econômica.

Lula herdou a máquina pública caquistocraquizada, bagunçada, desestruturada. E ainda precisou acomodar no governo a frente ampla que o elegeu. No futebol, não seria bem um time. Está mais para catado, com jogadores batendo cabeça e chutando para todo lado. A resultante é voluntarismo e "genialidades".

Nem todo ministério está assim. A Casa Civil tenta organizar o jogo, Haddad está propondo alguma disciplina tática, e áreas onde há corpo técnico experiente, como Educação, conseguem fazer a bola rolar. É insuficiente, porém.

O catado não tomou mais gols até agora por dois motivos:

  • A força do governo ainda não foi testada no Congresso;

  • Lula e cia. ganham fôlego alimentando o noticiário sobre barbaridades cometidas por Bolsonaro e a caquistocracia.

Os presentes reluzentes dos príncipes árabes eram para os Bolsonaro, mas quem ganhou foi Lula. Com ajuda do Tribunal de Contas da União, o escândalo pespegou um carimbo de apropriador indébito na testa do antecessor: Bolsonaro tentou tomar o que não é seu e ainda vai ter que devolver o que não lhe pertence. Vislumbra inelegibilidade e um processo por peculato.

Esse é o adversário ideal para o governo. O real é outro. O déficit de votos no Congresso para aprovar reformas que destravem a economia obrigará Lula a alugar deputados do Arenão a cada votação, a valores crescentes. Os juros políticos são os mais caros para o governo e estão com viés de alta.

Após os cem primeiros dias, Lula terá dificuldades para continuar exibindo os erros do governo passado em vez de demonstrar motivos para esperança no futuro. Como dizia o velho slogan petista, a esperança precisa vencer o medo. Ou, adaptando ao campo a fala de Lula, o governo tem que começar a marcar gols. E não contra.