Gôndola ajuda Lula, mas dirão que foi o ataque aos juros
Jornalismo é, ou deveria ser, a antinovela: a gente conta o fim no começo. Chamamos isso de lide. Estraga o suspense, mas vai direto ao ponto. Eis aqui o *spoiler* sobre a popularidade do governo Lula: "É o bolso, querido!". Ou melhor, é a gôndola.
Saiu hoje o IPCA, Índice de Preços ao Consumidor Amplo, e a inflação de alimentos, o item mais importante da cesta de consumo popular, desacelerou pelo segundo mês seguido. Alguns preços do mercado caíram, outros subiram, mas o que importa é que, na média, subiram menos do que nos meses anteriores.
Essa desaceleração continuada é um desafogo para o consumidor, especialmente o de baixa renda. Não porque ele consome mais, mas porque passa a impressão de que, se não melhorou, ao menos está parando de piorar. É um carro rumo ao abismo: desacelerar faz o passageiro se sentir menos mal. Demorará mais tempo para cair no abismo. Dá esperança de que pode até parar antes do desastre.
A pesquisa Quaest sobre popularidade do governo Lula demonstra esse desafogo. A aprovação oscilou para cima (dentro da margem de erro) e voltou ao patamar do fim de 2023: 54% em julho, contra 50% em maio. Melhorou mais entre os pobres: sete pontos, contra dois entre os mais ricos. Foi a gôndola. É a gôndola. Mas dirão que foi a crítica repetida de Lula ao juro alto.
Não foi. Quem vai ao mercado percebeu que o pãozinho, o feijão preto, o macarrão, a cebola, as carnes, o ovo e o frango estão mais baratos. A batata subiu menos em junho do que em maio. Por isso, o custo da alimentação em casa aumentou menos (0,47%) no mês passado do que no mês anterior (0,66%) e em abril (0,81%). É o carro da inflação perdendo velocidade por dois meses seguidos.
Resultado: 52% dizem que a economia vai melhorar. Eram 46% em fevereiro. Até os menos pobres estão mais otimistas.
Todo mundo come. Nem todo mundo presta atenção em Lula criticando o presidente do Banco Central que herdou do Bolsonaro. Dois em cada três brasileiros não ficaram nem sabendo das críticas de Lula aos juros, segundo a Quaest. Podem até concordar (66%) com a crítica depois de informados pelo pesquisador (87% acham os juros altos demais), mas não foram influenciados por ela e sim pelo bolso e pelas gôndolas.
Tudo bem, então? Nem tanto.
A melhora na aprovação e, principalmente, a concordância da maioria com a crítica aos juros podem estimular o presidente a voltar ao ataque contra o comando do Banco Central. Menos mal que no primeiro teste público, um discurso em cerimônia com catadores transmitido ao vivo nesta quarta, Lula tenha deixado de lado os juros e Campos Neto. A ver por quanto tempo.
A questão não é a justa crítica de Lula ao juro alto. Mas a desculpa que ela dá aos especuladores para tornarem o dólar ainda mais caro do que deveria. A maioria da população sabe que não foram as falas de Lula que impulsionaram o dólar (53%), mas uma maioria ainda maior (75%) também sabe que a alta do dólar vai acabar afetando o preço dos alimentos e dos combustíveis.
O câmbio da moeda não é o único problema, porém.
A crise climática veio pra ficar e atazanar a agricultura e a pecuária. Seca e excesso de chuvas são fenômenos cada vez mais intensos e frequentes, com reflexos profundos e recentes nas safras de soja e arroz, para ficar apenas em dois exemplos. A tendência é o clima perturbar cada vez mais o campo e provocar remarcações de preços nas gôndolas dos mercados. Sem paz nesses mercados, os que importam, o governo tampouco tem paz.
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