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Josias de Souza

Aos 40, PT sente as dores de uma velhice precoce

Ricardo Stuckert - 14.nov.2019/PT/AFP
Imagem: Ricardo Stuckert - 14.nov.2019/PT/AFP

Colunista do UOL

08/02/2020 04h58

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O Partido dos Trabalhadores sempre foi uma legenda à frente do seu tempo. Aos 25, quando exalava a doce fragrância do poder, viveu a crise etária dos 40.

Trazia na cara aquele jeitão ávido de quem perdera muito tempo na vida. Sucumbiu com naturalidade singular às relações plurais.

Hoje, ao atingir de fato os 40, padece os males de uma velhice precoce. Enfrenta dissabores típicos de quem esqueceu de maneirar.

Com deficiência neurológica, o PT não consegue compreender sua própria realidade. Ainda não se deu conta de que tem um enorme passado pela frente.

Acorrentado a Lula e à fábula da perseguição, o partido se confunde com a imagem do dono. Mantém os pendores hegemônicos. Mas já não consegue liderar o que se convencionou chamar de "esquerda".

Batizada de 'Festival PT 40 anos', a festa de aniversário do PT oferece três dias de tédio. Exibe algo que Cazuza chamaria de museu de grandes novidades.

Lula discursará neste sábado como principal atração do evento, que ocorre no Circo Voador, no Rio de Janeiro. Despejará sobre o microfone ideias que não correspondem aos fatos.

Não é que Lula tenha se tornado igual aos políticos que atacava. O problema é que Lula ficou diferente do personagem que ele dizia ser. Sua piscina está cheia de ratos.

Em novembro de 2002, falando à Folha, o historiador inglês Eric Hobsbawm disse ter visto na vitória que levou Lula ao Planalto um dos poucos eventos do começo do século 21 que inspiravam "esperança".

No prefácio de um livro lançado em dezembro de 2002 ("Lula, o filho do Brasil", de Denise Paraná), o escritor Antônio Cândido enxergou no PT um partido "vivo", capaz "de escolher no arsenal ideológico os instrumentos adequados à ação política transformadora desse Brasil pesado de iniquidades seculares".

No mesmo livro de Denise Paraná, à altura da página 147, Lula pintou assim o seu autorretrato:

"(...) Se eu não tivesse algumas [qualidades pessoais] não teria chegado aonde cheguei. Eu não sou bobo. Acho que cheguei aonde cheguei pela fidelidade aos propósitos que não são meus, são de centenas, milhares de pessoas."

Decorridas quase duas décadas, o Lula de 2020 não faz jus nem às avaliações de Hobsbawm e Cândido nem à imagem que fazia de si mesmo. Ele agora reivindica a condição de bobo.

A "esperança" foi derrotada pelo dinheiro. Tomado de assalto por vivaldinos, o partido "vivo" flerta com o pior tipo de morte: a irrelevância.

Lula nunca soube de nada. Mas as nove ações penais que coleciona indicam que, no seu caso, nada é um vocábulo que ultrapassa tudo.

Como não enxerga no espelho a figura de um desbravador do Código Penal, Lula recusa a ideia da autocrítica. Admite, no máximo, que o PT "cometeu erros".

Ao usar a palavra "erro" como eufemismo para corrupção, Lula revela uma desconexão voluntária com a realidade. Virou paródia grotesca do heroi idílico do PT.

Lula vendeu os ideais para financiar sua aventura. Trocou o ascetismo pela propina. Daquele sonho de 40 anos atrás só sobrou o esboço de um epitáfio: "Cometemos erros."