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Josias de Souza

Presidente e miliciano coabitam o mesmo noticiário

Colunista do UOL

10/02/2020 06h32

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Espantosa época a atual, em que o presidente da República, seu filho mais velho e um miliciano apelidado de Caveira coabitam a mesma notícia. Neste domingo, a coisa tornou-se ainda mais horripilante, pois aos nomes de Jair Bolsonaro, do primogênito Flávio Bolsonaro e do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega acrescentou-se uma expressão macabra: "Queima de arquivo."

Miliciano ligado aos Bolsonaro é localizado e morto em operação na Bahia

TV Folha

Foragido há um ano, Adriano Magalhães foi localizado na cidade baiana de Esplanada. Numa operação conjunta, as polícias do Rio de Janeiro e da Bahia passaram o personagem nas armas. Advogado do fugitivo, Paulo Emílio Catta Preta diz ter recebido um telefonema dele na terça-feira da semana passada.

Catta Preta declara que aconselhou o cliente a se entregar. E o Caveira: "Doutor, ninguém está aqui para me prender. Eles querem me matar. Se me prenderem, vão matar na prisão. Tenho certeza que vão me matar por queima de arquivo." Na versão do doutor, o miliciano não disse que segredos que guardava. Tampouco esclareceu a quem interessava incinerá-los.

Chefe da milícia de Rio das Pedras, no Rio, Adriano era amigo de Fabrício Queiroz, o faz-tudo dos Bolsonaro. Trabalharam juntos na PM. A mãe e a mulher do miliciano foram enfiadas dentro da folha salarial 'rachadinha' do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio.

Queiroz alegou que a família do amigo "passava por grande dificuldade, pois à época ele estava injustamente preso." A despeito das complicações penais, o Caveira foi condecorado por Flávio com a Medalha Tiradentes, a mais elevada comenda da Assembleia Legislativa do Rio. Em 2005, Jair Bolsonaro, então deputado, subiu à tribuna da Câmara para criticar uma condenação imposta ao miliciano.

A polícia diz ter matado o Caveira numa troca de tiros. A família do morto alega que ele não estava armado. O doutor Catta Preta exigirá apuração dos fatos. Maurício Teles Barbosa, secretário de Segurança da Bahia, chama a tese da "queima de arquivo" de "teoria da conspiração".

De acordo com o secretário, é usual que a polícia baiana, quando solicitada, auxilie forças policiais de outros estados. Esclareceu que o caso de Adriano foi tratado como prioridade por ser de relevância nacional."

Curioso, muito curioso, curiosíssimo. No final do mês passado, o Ministério da Justiça divulgou uma lista dos bandidos mais procurados do Brasil. Excluiu-se o nome do Caveira Adriano. A equipe do ministro Sergio Moro alegou que o amigo dos Bolsonaro praticava crimes em âmbito local, não nacional.

Por mal dos pecados, havia na lista da Justiça um par de milicianos em condições análogas às de Magalhães. A esse ponto chegamos: o discurso de campanha de Bolsonaro em defesa da lei e da ordem, que já soava como conversa mole, vai ficando desconexo. Presidente e miliciano coabitando o mesmo noticiário não é algo trivial.

Quando a coabitação vem acompanhada da expressão "queima de arquivo", não outro caminha senão o de acomodar a encrenca em pratos bem asseados. Rapidamente.