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Josias de Souza

Mandetta é caso raro de ministro que frita presidente

Colunista do UOL

17/03/2020 04h52

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A crônica política já registrou inúmeros casos em que presidentes fritaram ministros. Henrique Mandetta tornou-se um caso raro de ministro que frita o presidente. Fritava-o sem tocá-lo. Ao participar de encontro urdido pelos chefes do Legislativo e do Judiciário para desgastar Bolsonaro, Mandetta virou protagonista de uma novidade culinária: a fritura terceirizada.

O ministro tornou-se cozinheiro meio sem querer. Foi Bolsonaro quem pulou na frigideira. O presidente chamuscou-se ao desdenhar do coronavírus. Ficou bem passado ao infringir recomendações sanitárias baixadas pela pasta da Saúde. Mandetta deu conteúdo autoral à receita ao encostar seu prestígio numa reunião em que a ausência de Bolsonaro era parte do script.

O encontro nasceu de uma articulação de Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e Dias Toffoli, presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal. No gogó, o objetivo era unificar esforços no combate à pandemia do coronavírus. Na realidade, desejava-se constranger Bolsonaro, que participara na véspera da manifestação que teve como alvos o Legislativo, o Judiciário e seus dirigentes.

Encerrada a reunião, Dias Toffoli declarou que o momento pede união. Sem dar detalhes, falou de "ações conjuntas". Coisas que "os poderes têm que fazer para atuar, para o melhor que possamos dar de competência das nossas atividades para evitar o surto, que já é uma pandemia, mas para evitar suas consequências de uma maneira ruim e prejudicial à população."

Em privado, os mandachuvas do Legislativo e do Judiciário tacharam Bolsonaro de "irresponsável" por estimular e participar da manifestação da véspera. O presidente deu de ombros. Nesta segunda-feira, em entrevista à Rádio Bandeirantes, voltou a desdenhar da crise provocada pelo coronavírus.

"Existe o perigo, mas está havendo um superdimensionamento nesta questão", afirmou Bolsonaro. "Eu não vou viver preso dentro lá do Palácio da Alvorada esperando mais cinco dias, com problemas grandes para serem resolvidos no Brasil. Essa é minha posição."

Pelo menos 13 dos integrantes da comitiva que acompanhou Bolsonaro em sua viagem aos Estados Unidos foram infectados pelo coronavírus. Embora seu teste tivesse apresentado resultado negativo, o presidente encontra sob observação médica. Nesta terça-feira, ele se submeterá a novo exame.

"Não convoquei o movimento", afirmou Bolsonaro. "E tenho obrigação moral de saudar o povo que foi na frente aqui do Palácio do Planalto. Se eu me contaminei, está certo, olha, isso é responsabilidade minha, ninguém tem nada a ver com isso. Agora, está havendo uma histeria."

Os repórteres espremeram Mandetta. Mas o ministro pegou leve com o presidente. "Eu acho que o presidente teve a sua passagem ali, que vocês podem questionar. Agora, ontem a praia estava superlotada no Rio de Janeiro. Os bares do Leblon, que eu os conheço ali, o Baixo Leblon, tenho amigos meus que me mandavam várias fotos brindando."

Mandetta insinuou que Bolsonaro não é o único que precisa melhorar os modos: "Ao invés de apontar o dedo: 'Olha o que esse fez, o que que esse fez', eu acho que está na hora de todo mundo entender que vai ser do comportamento coletivo que a gente vai ter mais intensidade ou menos intensidade dos casos."

A despeito da contemporização, aliados de Mandetta receiam que o ministro tenha se colocado na linha de tiro do presidente da República e da família Bolsonaro. O ministro é filiado ao DEM, partido de Rodrigo Maia, tratado pelo bolsonarismo radical como uma espécie de pixuleco da temporada.