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Josias de Souza

Março negro marca reinício do governo Bolsonaro

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

21/03/2020 04h59

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O governo Jair Bolsonaro, tal qual os brasileiros conheceram em 1º de janeiro de 2019, acabou. O que se vê em Brasília é um recomeço, uma espécie de Bolsonaro 2º, a Caída em Si.

Digamos que há 15 meses o capitão tivesse um governo estalando de novo, um Posto Ipiranga, uma agenda de reformas, um PIB potencial de 2,5% e uma mulher chamada Michelle, e a vida lhe sorrisse.

A situação de Bolsonaro hoje é a seguinte: precisa caprichar mais na "festinha" de Michelle, que aniversaria no domingo, do que na celebração do seu próprio aniversário, neste sábado. A primeira-dama pode ser a única coisa que lhe resta.

Aquele Bolsonaro do início de 2019 não tinha oposição. O atual enfrenta um rival duro de roer: Coronavírus. Num instante em que parecia faltar rumo ao governo, o vírus mostrou que seu rumo é o de uma crise sem precedentes.

O principal problema do presidente no recomeço do governo é que o pedaço da classe média que voltou a bater panelas na janela é incapaz de reconhecer nele capacidade para lidar com a crise. E Bolsonaro é incapaz de demonstrá-la.

Não é que o capitão não tenha farejado soluções para o problema da pandemia e da ruína econômica que vem junto. Em verdade, ele ainda não enxergou nem mesmo o problema.

Há 11 dias, falando para empresários, em Miami, disse que o coronavírus "não é essa coisa toda que a grande mídia propaga." Chamou o flagelo de "fantasia". Nesta sexta, declarou que provoca uma "gripezinha".

Dois dias antes, Paulo Guedes dissera estar "tranquilo". Por quê? O mundo desacelerava, mas a economia brasileira, que tem uma dinâmica própria, estava "em plena reaceleração." O pibinho de 1,1% em 2019 desautorizava o raciocínio.

Nesta sexta-feira, a equipe econômica deu um cavalo-de-pau que deixou Guedes sem nexo. Apenas nove dias depois de ter reduzido o prognóstico do PIB para 2020 de 2,4% para 2,1%, a pasta da Economia rebaixou a taxa para zero —ou 0,02%.

Guedes e sua equipe pedem a você e ao mercado que acreditem no governo. É como se dissessem: Vamos lá, gente. Agora é sério!

Nessas coisas de crença, a credibilidade de quem pede o voto de confiança conta muito. E o histórico do governo, convenhamos, não o credencia. Com o coronavírus, o ruim ficou muito pior.

Todo mundo olha para Brasília de esguelha. E pisa a conjuntura de mansinho, que é pra não enfiar espinho no pé. Sob Bolsonaro 2º, a economia entrou na sua fase São Tomé. É preciso ver primeiro.

Os economistas não gostam da comparação. Mas o vírus potencializou a sensação de que suas previsões funcionam como profecias de videntes.

A teoria econômica e a bola de cristal estão sempre certas. As pessoas é que não se comportam como o previsto.

O governo mobiliza seus técnicos mais talentosos. Eles enfiam o imponderável dentro das previsões mais precisas. Daí vem o ser humano, com seus apetites, caprichos e medos, e põe tudo a perder.

Para complicar, o coronavírus exerce sobre a economia o efeito de um sorvo de gigante. Na previsão mais pessimista, a Fundação Getúlio Vargas projeta para 2020 uma retração de notáveis 4,4%.

Trata-se de algo jamais visto em 58 anos. Se a quiromancia da FGV estiver mais certa do que a vidência do time de Guedes, o coronavírus conseguirá ser tão destrutivo quanto o Dilmavírus, que produziu duas recessões traumáticas em 2015 e 2016, quando a economia despencou 3,5% e 3,3%.

Se confirmada, uma conjuntura assim, tão nefasta, transformaria o governo de Bolsonaro 2º numa espécie de ocaso hipertrofiado. Um epílogo comandado por um presidente bem diferente daquele que cavalgava expectativas esplendorosas no início de 2019.

Dizia-se que a reforma da Previdência reativaria rapidamente a economia, produzindo taxas de crescimento que ultrapassariam os 2,5% anuais. Deu no que está dando.

Há duas semanas, quando ainda estava na fase de negação, Guedes programara para esta sexta-feira o anúncio de um contingenciamento (pode me chamar de bloqueio de verbas) de quase R$ 40 bilhões. A pandemia virou a programação do avesso.

Sob estado de calamidade sanitária, em vez de cortar despesas, Guedes será obrigado a abrir os cofres. O déficit de 2020, antes estimado em 124 bilhões, ultrapassará em muito os R$ 200 bilhões.

As reformas estruturais do ministro, que já não empolgavam Bolsonaro e os líderes do Congresso, envelheceram antes de ficar prontas.

O liberalismo do Posto Ipiranga agora está, por assim dizer, subordinado à lógica do posto de saúde. Guedes perde holofotes para o colega Henrique Mandetta, da Saúde.

Nesta sexta, falando numa videoconferência com empresários, Mandetta vaticinou: "Claramente, no final de abril, nosso sistema [de Saúde] entra em colapso. O que é um colapso? É quando você pode ter o dinheiro, você pode ter o plano de saúde, pode ter a ordem judicial, mas simplesmente não há um sistema para você entrar. É o que está vivenciando a Itália, um dos países de primeiro mundo. Atualmente, não tem onde entrar."

Quer dizer: confirmando-se o cenário descrito por Mandetta —que ele tentou atenuar ao perceber que chamara a atenção dos repórteres— este março negro que marca a inauguração do governo de Bolsonaro 2º é apenas o prenúncio de um resto de mandato sombrio.

Durante a semana, enquanto anunciava uma "festinha" de dois dias para celebrar seu aniversário e o de Michelle, Bolsonaro declarou que a crise do coronavírus vai passar. Verdade. Átila também passava. O problema era a situação em que ficavam o gramado e a vegetação em volta depois da passagem do rei dos hunos.