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Josias de Souza

Damares precisa encontrar seu controle remoto

Damares  Alves [fotografo Valter Campanato/Ag. Brasil[/fotografo]
Imagem: Damares Alves [fotografo Valter Campanato/Ag. Brasil[/fotografo]

Colunista do UOL

15/09/2020 19h23

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A dois meses e meio de completar dois anos, o governo Bolsonaro é uma obra em construção. Antes da posse, dizia-se que Brasília seria inundada de novidades. Muitos chegaram a suspeitar que a obra de Bolsonaro só seria devidamente compreendida daqui a um século. Mas há na Esplanada ministros empenhados em escrever capítulos que só podem ser perfeitamente entendidos no século passado.

Dias atrás, o Ministério da Justiça, comandado pelo candidato a uma cadeira no STF André Mendonça, inaugurou uma investigação sobre a carestia dos produtos da cesta básica. A iniciativa fez lembrar a época anedótica do congelamento de preços e dos fiscais do Sarney. Agora, a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) ameaça censurar um filme exibido pela Netflix. Na tradução para o português chama-se "Lindinhas". Alega-se que a fita se presta a sexualizar adolescentes precocemente.

Ironicamente, o último caso de censura oficial ocorreu em 1986, também no governo Sarney, tachado de Nova República. Na época, o Ministério da Justiça proibiu a exibição no Brasil do filme "Je Vous Salue Marie" do diretor francês Jean-Luc Godard. "Lindinhas", o filme que incomoda Damares, também é uma produção francesa.

Na Era Sarney, o governo censurou sob pressão da Igreja católica, insatisfeita com a forma como a Virgem Maria foi retratada na obra dirigida por Godard. Por uma trapaça da sorte, a Constituição de 1988 proibiu o governo de proibir. Para barrar o filme da Netflix, a evangélica Damares terá de apresentar seus argumentos ao Poder Judiciário. A chance de êxito é pequena.

A ministra deveria considerar a hipótese de arrumar coisa melhor para fazer. Do contrário, arrisca-se a elevar com sua implicância a audiência do filme que deseja barrar. Se não gosta de "Lindinhas", a ministra também pode aconselhar seus admiradores a utilizarem um censor eficaz, o único admissível numa democracia: o controle remoto.