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Josias de Souza

Bolsonaro escolhe ministro do STF por fidelidade

Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
Imagem: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

26/09/2020 05h05

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Celso de Mello antecipou sua aposentadoria em três semanas. Sairia em 1º de novembro, ao fazer aniversário de 75 anos. Adiantou o relógio para vestir o pijama em 13 de outubro. Jair Bolsonaro terá a oportunidade de fazer sua primeira indicação para o Supremo Tribunal Federal. Escolherá o substituto guiando-se pelo critério da fidelidade. Muitos torcerão o nariz. Mas o capitão não será o primeiro presidente a desprezar a neutralidade como parâmetro de escolha.

O que diferencia Bolsonaro dos antecessores é que ele age como se desejasse testar a fidelidade dos pretendentes à toga antes da nomeação. Enredado entre inquéritos que roçam a sua Presidência, os filhos e os amigos, dispõe de farto material para a testagem: o inquérito em que é acusado de aparelhar a PF, o foro especial reivindicado pelo primogênito, os depoimentos do Zero Dois e do Zero Três, as aflições do amigo e gestor de rachadinhas Fabrício Queiroz...

Bolsonaro gostaria de colocar um subordinado na poltrona do seu algoz Celso de Mello. Constam de sua lista os ministros Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência) e André Mendonça (Justiça). Arrisca-se a ser processado por plágio. Onde trabalhava Gilmar Mendes quando FHC o indicou? Chefiava a Advocacia-Geral da União. Dias Toffoli ocupava o mesmo posto no instante em que Lula o escolheu. Alexandre de Moraes, ungido por Michel Temer, era ministro da Justiça.

O presidente diz, em privado, que dispõe de opções. Entre elas o procurador-geral da República Augusto Aras e o ministro do STJ João Otávio Noronha. Aras não hesita em mostrar-se útil. Nos últimos dias, fez isso em dois ofícios protocolados no Supremo.

Num dos ofícios, Aras posicionou-se contra o acatamento de ação que questiona o foro privilegiado concedido a Flávio Bolsonaro pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no caso da rachadinha. Noutro, posicionou-se a favor do pedido de Bolsonaro para depor por escrito no inquérito em que é acusado de tramar o aparelhamento político da PF.

Otávio Noronha, um magistrado por quem Bolsonaro disse nutrir "amor à primeira vista", também encantou o presidente e sua família ao transferir Fabrício Queiroz do ambiente inóspito de uma cela no presídio carioca de Bangu 8 para o conforto da prisão domiciliar. Fez mais: estendeu o refresco à foragida Márcia Aguiar. Mulher do operador de rachadinhas, Márcia flertava com a delação.

Na prática, trava-se uma competição pela vaga de ministro do Supremo. Nada de novo sob o Sol. A diferença é que a agora a disputa se desenvolve na frente das crianças. A fidelidade prévia não assegura o alinhamento futuro. Lula indicou oito ministros para a Suprema Corte. Acabou na cadeia. No julgamento do mensalão, ministros como Joaquim Barbosa e Ayres Britto portaram-se com rigor inaudito. Perfilaram do lado da moralidade.

Dilma Rousseff nomeou ministros como Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Nos julgamentos relacionados ao petrolão, a trinca notabilizou-se pelo apoio à Lava Jato. Nos julgamentos sobre a prisão de condenados na segunda instância, os três votaram invariavelmente a favor da tranca, inclusive a de Lula.

Hoje, prevalece no Supremo, por 6 votos a 5, a banda da Corte adepta da política de celas abertas. Afrouxou-se a regra sobre a prisão num instante em que aguardavam na fila por uma condenação pessoas como Aécio Neves e Michel Temer, amigos de Gilmar Mendes. E sonhavam com a reconquista do meio-fio um personagem como Lula, amigo de Ricardo Lewandowski e ex-superior hierárquico de Dias Toffoli.

Dá-se de barato que o escolhido de Bolsonaro fechará com o pedaço do Supremo que abre as celas, elevando a maioria que se autoproclama "garantista" um placar de 7 a 4.

Com a aposentadoria de Celso de Mello, o novo decano da Suprema Corte será Marco Aurélio Mello. Ele costuma dizer que magistrados não deveriam "agradecer com a toga." Ele próprio, indicado pelo primo Fernando Collor de Mello, declarou-se impedido, por razões de consciência, de participar de julgamentos que envolviam Collor. Entretanto, isso está longe de ser um padrão.