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Josias de Souza

Luís Barroso viu confusão nos EUA, não fraude

                                Marcelo Camargo/Agência Brasil
Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Colunista do UOL

05/11/2020 01h52

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Convidado a acompanhar as eleições americanas como observador, Luís Roberto Barroso, ministro do STF e presidente do TSE, testemunhou a "confusão"e a "guerra de versões." Não enxergou, porém, irregularidades. "Não creio que tenha ocorrido fraude", disse à coluna.

Sem citar Jair Bolsonaro ou Donald Trump, Barroso disse não ter receio de que se repita no Brasil de 2022 a acusação de fraude que o presidente americano encostou nas urnas de 2020.

"O Judiciário, no Brasil como aqui, deve se mover por fatos e provas, sem dar muita importância à retórica política, que está presente em toda parte", disse Barroso por telefone. "Quem julga tem que enxergar os fatos para além da fumaça." Vai abaixo a reprodução da conversa:

— Como foi a experiência de observador? O que achou do processo de apuração? A experiência foi muito proveitosa. Visitei locais de votação, vi o funcionamento do sistema. O que está trazendo confusão e guerra de versões é a possibilidade do voto antecipado, que existe aqui. A sessão eleitoral abre uma semana antes, quatro ou cinco dias antes dependendo do estado. E as pessoas podem ir votando antecipadamente. Não é tudo concentrado num dia só. Além disso, as pessoas podem votar pelo Correio com regras diferentes nos vários estados. Em Maryland, por exemplo, onde estive, o eleitor pode votar pelo Correio até no dia da eleição. O que impossibilita você de fazer o cálculo dos votos no mesmo dia.

— Atribui a confusão ao voto antecipado? Sim. O que trouxe dificuldade maior foi essa possibilidade do voto antecipado e, sobretudo, pelo Correio. Quando é uma eleição em que tem um claro vencedor, isso não se revela um problema. Mas numa eleição apertada, esses votos passam a fazer diferença.

— Por quê? Pelo que observei, o voto antecipado é contabilizado depois do voto presencial. E o que aconteceu foi que os democratas [correligionários de Joe Biden] convocaram os seus eleitores a votarem antecipadamente. E os republicanos [partidários de Donald Trump] convocaram os seus eleitores a votarem no dia. Os primeiros resultados foram mais favoráveis aos republicanos. O desempenho dos democratas melhorou com a contagem dos votos antecipados, que começou posteriormente. Portanto, não creio que tenha ocorrido fraude. Há um problema de percepção. O sistema tem esse aspecto que é prático, mas que pode se tornar disfuncional numa eleição apertada.

— Diria que o sistema brasileiro é melhor? Nosso sistema, em que a votação é concentrada em um único dia, impede situações como essa. Mas não gosto de comparar. Diria que o nosso sistema é mais adaptado à nossa realidade. No Brasil, o voto pelo Correio seria um problema. Um professor me perguntou aqui: 'Por quê?' Expliquei que haveria o risco de assaltarem o carteiro e entupir a mala dele com votos fraudulentos. E ele: 'Mas aqui isso é um crime federal. Quem fizer isso vai preso.' Eu disse ao professor que, no Brasil, o sujeito desvia R$ 70 milhões e não se consegue prendê-lo.

— Receia que a acusação de fraude, feita por Trump, possa ser mimetizada no Brasil na sucessão de 2022? Pergunto porque Bolsonaro já identificou fraude até na eleição que venceu. O Judiciário, no Brasil como aqui, deve se mover por fatos e provas. Sem dar muita importância à retórica política, que está presente em toda parte. Quem julga tem que enxergar os fatos para além da fumaça. E levar em conta as provas.

— Nosso sistema de votação continua seguro? Em relação ao nosso sistema, devo dizer que não tenho paixão pelas urnas eletrônicas, tenho paixão por eleições limpas. E até hoje nunca se demonstrou nenhum tipo de fraude ou manipulação nas urnas eletrônicas. Eu me movo pela realidade dos fatos. Se alguém trouxer uma prova, imediatamente vou apurar. As urnas até aqui se revelaram totalmente confiáveis.

— Por que, então, o TSE estuda a adoção de um sistema digital de votação? Embora sejam seguras, as urnas custam muito caro. Temos quase 500 mil urnas eletrônicas, que precisam ser renovadas periodicamente a cada dez anos. Elas vão ficando obsoletas. Fazemos um rodízio. A cada eleição renovamos cerca de 100 mil urnas. Gastamos em torno de R$ 700 milhões, R$ 800 milhões. O TSE fez uma chamada pública para que as empresas de tecnologia apresentem modelos de votação digital, inclusive usando celular, tablets, computador.

— Que companhias estão participando do processo? Apresentaram-se 31 empresas. Entre elas a Amazon, a Microsoft, a IBM e a Indra, que é espanhola. Tudo sem custo para nós. Eles vão trazer modelos. Recebidas as propostas, o passo seguinte será me reunir com os ministros Edson Fachin e Alexandre de Morais, que serão os próximos presidentes do TSE. Discutiremos se algum dos modelos propostos pode ser adotado.

— Imagina que a mudança pode ocorrer já em 2022? Agora, em 15 de novembro, essas empresas vão fazer as simulações. Colocarão os projetos em execução numa eleição simulada. A simulação será feita no local de votação [da eleição municipal]. Ocorrerá em três cidades: Valparaíso, São Paulo e Curitiba. Eleitores serão convidados a participar. Nesse momento não dá para dizer que será adotado em 2022, porque a gente não conhece as propostas. Não sabemos se serão satisfatórias. Acho que substituir inteiramente talvez não seja uma opção realista. Mas creio que é possível cogitar de um início de transição.

— Se for adotado, o voto digital eliminará a necessidade de comparecer zona eleitoral? No Brasil o voto tem que ser secreto. A menos que alguém tenha uma ideia que ainda não me ocorreu, a presença na zona eleitoral será necessária. É preciso ter certeza de que o patrão ou o coronel não está atrás do eleitor na hora que ele vota de casa. Então, é muito possível, a menos que surja uma ideia original, que a ida à sessão eleitoral continue a ser exigida. Mas o custo será bem reduzido. O sujeito vai à sessão eleitoral, mas votará do seu celular.

— Acha que os EUA terão de rediscutir o seu sistema eleitoral? É um sistema que oferece o risco de que o vencedor não seja o mais votado. Foi assim com o Bush na disputa com o Gore. Aconteceu com a Hillary Clinton na disputa com o próprio Trump. Acontecerá agora novamente hipótese de Trump ganhar. Não gosto de dar palpite na vida dos outros. Mas não tenho simpatia por um sistema que permita que o menos votado se torne vitorioso. Isso acontece porque é um sistema que prestigia os estados mais do que o voto popular. Não é meu papel opinar sobre isso para os Estados Unidos. Mas, se fosse para o Brasil, eu não gostaria.