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Josias de Souza

Bolsonaro planta descaso e quer colher vacinas

Colunista do UOL

28/12/2020 15h06

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Um aparelho eletrônico, quem diria, tornou-se o principal opositor de Jair Bolsonaro. Nada é mais corrosivo para o prestígio do presidente do que as cenas de vacinação que chegam do exterior pelo televisor. As imagens deixam Bolsonaro zonzo.

Em menos de 72 horas, o presidente adotou três posições diferentes. No sábado, deu de ombros para o avanço da vacinação contra Covid noutros países. "Eu não dou bola pra isso." No domingo, disse o oposto: "Temos pressa em obter uma vacina segura, eficaz e com qualidade..." Nesta segunda-feira, culpou os fabricantes pela falta de vacinas no mercado nacional.

"O Brasil tem 210 milhões de habitantes. Um mercado consumidor, de qualquer coisa, enorme. Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente? Por que eles, então, não apresentam documentação na Anvisa? Pessoal diz que tenho que... Não, não. Quem quer vender... Se eu sou vendedor, eu quero apresentar."

O mercado, como se sabe, costuma se guiar pela lei da oferta e da procura, não pela vontade de gestores imprevidentes. No momento, o número de candidatos à vacina é maior do que a capacidade de produção dos fabricantes. Por isso, é grande, muito grande, incomensurável a procura por vacinas.

Os compradores fazem fila na porta dos laboratórios. Não é que os produtores de vacina tenham esquecido o mercado brasileiro. A questão é que o governo Bolsonaro jogou suas melhores fichas no imunizante da Oxford-AstraZeneca, que atrasou. Esnobou todo o resto, enquanto outros países iam às compras.

A Pfizer tentou vender sua vacina ao Brasil desde o meio do ano. A pasta da Saúde só acordou agora. Em outubro, Bolsonaro mandou rasgar o compromisso de compra de 46 milhões de doses da chinesa CoronaVac, testada no Brasil pelo Instituto Butantan. Agora, o governo cogita encomendar 100 milhões de doses.

Enquanto os brasileiros morriam de Covid, Bolsonaro imaginou que o negacionismo e a terceirização de responsabilidades imunizariam seu governo contra os efeitos da pandemia. Agora, numa fase em que os brasileiros começam a morrer de falta de vacinas, fica mais difícil distribuir as culpas.

Não é à toa que Bolsonaro leva o debate sanitário para o campo econômico. A economia compreende todas as atividades do planeta. Mas nenhuma atividade do planeta compreende integralmente a economia. Quando o sujeito não entende nem os fatos nem os números, basta misturar os fatos (angústia X descaso) e os números (210 milhões de brasileiros X nenhuma dose), para tecer com eles um indecifrável silogismo. Pronto! O gestor confuso já pode reivindicar que seus devotos continuem considerando-o um extraordinário presidente.

O único problema é que as poses de Bolsonaro não produzem imunizantes. O presidente plantou descaso desde março, quando a pandemia começou a matar no Brasil. Agora, quer colher vacinas. Se você é do tipo que economiza para os dias ruins, comece a se planejar para os dias piores. Eles já chegaram,