Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Enquanto seus rivais lavam roupa suja, Bolsonaro passa o plano de reeleição
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A perspectiva de pagamento de mais uma rodada de auxílio emergencial, a chegada do centrão à Esplanada dos Ministérios e o processo de autocombustão do ministro Eduardo Pazuello (Saúde) deveriam levar a oposição a pensar na vida. Em meio à tempestade, os ventos sopram a favor de Jair Bolsonaro.
Há duas semanas, o presidente inquietava-se com a queda de sua popularidade, incomodava-se com o debate sobre o impeachment e media as palavras ao falar sobre pandemia. Hoje, Bolsonaro diverte-se com a lavagem de roupa suja que seus principais adversários exibem na frente das crianças.
O presidente celebra em privado a perspectiva de que a volta do auxílio emergencial restabeleça sua posição nas pesquisas de opinião. Planeja-se um socorro mixuruca —coisa de R$ 250—, a ser pago para cerca de 30 milhões de pessoas, metade da clientela beneficiada no ano passado. Ainda assim, dá-se de barato no Planalto que as pesquisas voltarão a sorrir para Bolsonaro.
Ao nomear para o ministério do Bolsa Família o deputado João Roma, filiado ao partido Republicanos, Bolsonaro começou a pagar o seguro anti-impeachment fornecido pelo centrão. É só a primeira parcela. O preço total será bem mais caro.
Entretanto, o dinheiro sai do déficit público. E o capitão avalia que obteve na sucessão interna do Congresso um bônus que não tem preço: o estilhaçamento do DEM e do PSDB, plataformas de lançamento dos planos eleitorais de Luciano Huck e, sobretudo, João Doria.
Bolsonaro terceiriza culpas a Pazuello
Na seara sanitária, é dura a vida do general Pazuello. A julgar pela acidez dos comentários feitos no Planalto sobre o seu desempenho, os parafusos da poltrona do ministro da Saúde estão frouxos. Lançado à frigideira do Senado, onde arde uma proposta de CPI do vírus, o general ficou bem passado.
Bolsonaro parece propenso a terceirizar a Pazuello todas as suas culpas. E o general comporta-se como se não se importasse em virar mais uma vítima da teoria do "fusível". Foi formulada por Bolsonaro. Prevê que, para não queimar o presidente, certos ministros se queimam.
Enquanto Pazuello rala para se explicar à Polícia Federal e aos senadores, Bolsonaro dissolve em cinismo sua aversão às vacinas. Numa de suas transmissões ao vivo, disse ao presidente da Anvisa, almirante Barra Torres, que irá acompanhá-lo quando chegar a sua vez de se vacinar.
Bolsonaro já havia declarado que deseja ver a mãe entregando o braço à agulha, para receber a substância que faz virar jacaré. É como se Bolsonaro tentasse desenvolver uma vacina contra o uso político de sua aversão à ciência.
A oposição comporta-se diante de Bolsonaro como cachorro que persegue automóveis na rua. Late como se quisesse estraçalhar os pneus ou morder o para-choque. Mas não consegue esclarecer o que seria capaz de fazer se alcançasse o carro.
Oposição coloca nomes à frente das propostas
A demonização de Bolsonaro, assim como o latido dos cachorros que perseguem carros, já não faz sentido. Seria necessário apresentar meia dúzia de ideias. Mas os partidos, estilhaçados, colocaram os nomes à frente das propostas. Ao liberar Fernando Haddad para fazer pose de candidato, Lula aborreceu o PDT de Ciro Gomes, o PSOL de Guilherme Boulos e o PCdoB de Flávio Dino.
No DEM, Rodrigo Maia troca sopapos com ACM Neto. Simultaneamente, mais da metade da bancada federal da legenda retira seu bolsonarismo do armário. No PSDB, João Doria chama o zumbi Aécio Neves para a briga. E descobre que terá de guerrear pela vaga de presideiciável do partido com o governador tucano do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
O brasileiro que ainda encontra tempo para desperdiçar com o acompanhamento da política fica atônito. Olha para a pasta da Saúde e enxerga uma desorganização que conduz ao caos. Vira-se para a oposição e encontra uma desorientação que leva ao pântano. O caos angustia. Mas o pântano não oferece a esperança de uma alternativa.
Noutros tempos, a oposição era improdutiva, mas ocupava a cena provocando confusão. Hoje, Bolsonaro fabrica suas próprias crises. Nesse ambiente, o único empreendimento que cresce é o centrão, um conglomerado partidário que gira em torno de privilégios, verbas e empregos públicos. O centrão não faz política, faz negócios. E Bolsonaro, ele próprio egresso do centrão, rende-se à negociação.
Enquanto seus adversários lavam roupa suja, Bolsonaro passa o seu plano de reeleição. E o centrão engoma.
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