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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Em meio a 400 mil cadáveres, CPI liga ventilador

Omar Aziz em coletiva de imprensa com membros da CPI da Covid - Edilson Rodrigues/Agência Senado
Omar Aziz em coletiva de imprensa com membros da CPI da Covid Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Colunista do UOL

29/04/2021 16h33

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Num instante em que a pilha de mortos da pandemia ultrapassa a ultrajante marca dos 400 mil, a CPI da Covid produziu duas esquisitices. Iniciou seus trabalhos sem aprovar um plano de trabalho. E aprovou em bloco, sem nenhum tipo de análise, 310 requerimentos de informações. Ligou-se um ventilador que costuma conduzir ao descrédito.

A sessão desta quinta-feira começou bem. Convocaram-se para a próxima semana os depoimentos de três ex-ministros da Saúde e do atual titular da pasta. Entre terça e quinta-feira, vão ao banco da CPI o ortopedista Henrique Mandetta, o oncologista Nelson Teich, o general Eduardo Pazuello e o cardiologista Marcelo Queiroga.

Afora a óbvia e indispensável convocação dos atores centrais da encrenca, produziu-se na CPI muito bate-boca e um acordo. A desavença opôs o relator da CPI, Renan Calheiros, e os senadores do esquadrão do Planalto.

Respaldado pelo G-7, grupo majoritário, Renan defendeu a votação individual dos requerimentos. "São muitos", disse ele. "Inclusive, tem que ver se vamos apreciar também os que vieram diretamente do Palácio do Planalto, que a imprensa está divulgando hoje. Não podemos votar requerimento para tirar o foco da investigação."

Renan se referia a requerimentos que chegaram à CPI com as digitais da Secretaria de Governo, chefiada pela deputada Flávia Arruda (PL-DF), uma preposta do centrão que responde pela coordenação política do Planalto.

"Vamos aprovar se for assinado por um senador", respondeu Ciro Nogueira (PP-PI), um dos governistas que aceitaram subscrever requerimentos que o Planalto preparou. "O senhor não vai impedir de votar nenhum requerimento, não. Eu sei quais são os requerimentos que o senhor não quer."

Os requerimentos que o G-7 quer miram alvos do governo Bolsonaro. Os pedidos de informação e os depoimentos que a turma de Ciro Nogueira deseja ver atendidos transferem os holofotes da União para os governos estaduais. Renan é pai de Renan Filho, governador de Alagoas. Daí a ironia.

Puxa daqui, puxa dali, o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI interrompeu a sessão para um intervalo. Apagaram-se as luzes por meia hora. Na volta, estava selado o armistício. Sem nenhuma controvérsia, aprovaram-se simbolicamente os 310 requerimentos de informações. Excluíram-se da relação duas dezenas de documentos redigidos no Planalto, que tratavam da convocação de depoentes —entre eles defensores da cloroquina.

O repórter Rubens Valente analisou alguns dos pedidos aprovados pela CPI. Num deles, o governista Ciro Nogueira requisita "todas as notas de empenho", "todas as ordens bancárias", "todas as notas fiscais", "todos os processos administrativos de despesa, independentemente de ter havido licitação ou dispensa ou inexigibilidade", relativos "à aplicação de todos os recursos federais destinados a cada um" dos 26 Estados, do Distrito Federal e de todos os municípios de até 200 mil habitantes do país para o combate à Covid-19, incluindo ainda "os extratos bancários e os documentos bancários de comprovação de todos os débitos e créditos ocorridos nas respectivas contas".

Noutro documento aprovado pela CPI, Ciro Nogueira requisitou "a cada uma das 27 Diretorias Gerais de Polícia Civil e à Diretoria Geral da Polícia Federal o envio de cópia integral de todos os inquéritos ou investigações em qualquer fase, relativos à aplicação de todos os recursos federais destinados aos Estados, DF e Municípios de até 200 mil habitantes para o combate à Covid-19, bem como de todos os bancos de dados criados pelos respectivos órgãos policiais, relativos à mesma matéria."

Na prática, o que o pelotão bolsonarista da CPI sugere é que a investigação priorize a abertura de portas estaduais que o Ministério Público e a Polícia Federal já arrombou. Há estados em que os desvios de verbas da Saúde já derrubaram governadores, como o Rio de Janeiro e Santa Catarina.

O que há de pendente a ser apurado é tudo aquilo que o procurador-geral Augusto Aras não quis procurar: Por exemplo: a inépcia que levou à falta de vacinas, a improbidade que torrou verbas públicas na produção de cloroquina e a incompetência que impõe aos doentes graves a tortura da intubação sem sedativos.

Imaginou-se que o G-7 acionaria sua maioria para sepultar as tentativas de desvio de foco. Deu-se coisa diferente. Ficou no ar uma dúvida: a CPI será um núcleo de investigação ou apenas mais uma micareta, o Carnaval fora de época de que falou Bolsonaro?