Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Depoimento de Barra Torres à CPI torna inevitável convocação de Braga Netto
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A exemplo do general Eduardo Pazuello, Antonio Barra Torres, o presidente da Anvisa, é militar. Chegou ao posto de contra-almirante. Mas se recusou a seguir no depoimento à CPI da Covid o lema do ex-ministro da Saúde, segundo o qual "um manda e o outro obedece."
Assim como o cardiologista Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, Barra Torres é médico. Cirurgião cardiovascular. Na contramão do colega, que colocou o registro profissional a serviço do negacionismo de Bolsonaro, o chefe da Anvisa preferiu tomar distância de todas as posições anticientíficas do presidente.
Barra Torres fez na CPI um depoimento de mostruário. Chegou mesmo a se penitenciar por ter participado de uma aglomeração com Bolsonaro em março de 2020, no alvorecer da pandemia.
Um detalhe potencializou o desempenho do doutor: como dirigente de agência reguladora, cuja indicação é aprovada pelo Senado, ele dispõe de mandato. Não está ao alcance da caneta de Bolsonaro.
Num dos pontos altos do depoimento, Barra Torres corroborou algo que o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta dissera à Comissão Parlamentar de Inquérito. Coisa embaraçosa para Bolsonaro.
O doutor confirmou ter participado de reunião no Palácio do Planalto, no ano passado. Nela, discutiu-se a hipótese de enfiar o tratamento da Covid na bula da cloroquina na marra, por meio de decreto presidencial.
Barra Torres disse ter rejeitado com veemência a ideia, defendida no encontro pela médica Nise Yamaguchi, paparicada por Bolsonaro. Contou que a reunião foi convocada pelo comitê de crise que funcionava na Presidência, sob a coordenação do general Walter Braga Netto, então chefe da Casa Civil, hoje ministro da Defesa.
A cloroquina, como se sabe, é útil no combate a doenças como malária e lúpus. Mas a Anvisa não avaliza o uso do medicamento no tratamento da Covid. A despeito disso, Bolsonaro investiu verba pública na aquisição, fabricação e distribuição de cloroquina na rede hospitalar do SUS.
Simultaneamente, o presidente estimulou o brasileiro que estivesse fora do chamado grupo de risco (velhos ou portadores de doenças preexistentes) a enfrentar o coronavírus de peito aberto, antes mesmo da chegada das vacinas. Agiu como se dispusesse de um remédio mágico. Deu no que está dando.
A certa altura, inquirido pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Barra Torres declarou que o próprio general Braga Netto coordenou a reunião da bula tóxica. O depoimento tornou incontornável a convocação do personagem para sentar-se no banco da CPI.
Como ex-chefe da Casa Civil, Braga Netto será inquirido sobre a serventia do comitê de crise do Planalto e a obsessão que levou o governo a pensar em reescrever a bula da cloroquina por decreto, à revelia dos estudos científicos.
Como ministro da Defesa, o general terá a oportunidade de esmiuçar os custos da superprodução de cloroquina no laboratório do Exército. Os militares se esforçavam para isolar a imagem das Forças Armadas da figura de Pazuello, o general intimado para depor no dia 19. Com Braga Netto na fogueira, será mais difícil.
É improvável que a CPI resulte em algum tipo de punição para Bolsonaro. Contra a acusação de que cometeu crimes comuns, o capitão dispõe da blindagem do antiprocurador Augusto Aras.
Contra o pedido de impeachment, Bolsonaro conta com a proteção do presidente da Câmara Arthur Lira. Entretanto, do ponto de vista historiográfico, o inquilino do Planalto dificilmente escapará de ser aprisionado no verbete da enciclopédia como um presidente precário.
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