Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Covaxin deixa Bolsonaro acuado e sem sentido
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Bolsonaro dispunha de uma vacina capaz de imunizá-lo contra a desmoralização do Caso Covaxin. Ainda não inventaram melhor imunizante contra a culpa do que reconhecê-la. Sobretudo quando ela é irrefutável. Mas o presidente, acuado, tornou-se um personagem sem sentido. Na sua penúltima incongruência, Bolsonaro autorizou a suspensão do contrato de compra da vacina indiana. Um contrato que o capitão e seus operadores dizem estar perfeito, sem nenhuma irregularidade.
Num esforço inútil para apagar suas digitais do escândalo da vacina indiana, Bolsonaro passou a enfrentar uma terceira crise além das crises econômica, política e ética. O presidente vive uma crise de identidade. Continua distribuindo caneladas nos "pilantras" da CPI da Covid. Mas trata o denunciante Luis Miranda, um "comunista" do DEM de Brasília, com algum respeito e muita reverência. Ou seja: Bolsonaro está completamente fora de si.
Bolsonaro é respeitoso ao se abster de desmentir a revelação segundo a qual chamou a malfeitoria da Covaxin de "mais um rolo" do Ricardo Barros, líder do governo. O presidente é reverente ao deixar transparecer o medo de ter sido gavado pelo deputado Miranda ou seu irmão, Luis Ricardo Miranda, o servidor da Saúde que flagrou a tentativa de pagamento antecipado de US$ 45 milhões por uma vacina que nunca chegou.
Durante os últimos quatro dias, Bolsonaro sustentou que não há nada de errado com a compra de 20 milhões de doses da Covaxin. Negócio fechado em fevereiro, com a reserva de R$ 1,6 bilhão para o pagamento. Nesta terça-feira, após conversar com o presidente, o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) anunciou a suspensão do negócio hipoteticamente insuspeito.
Em nota oficial, a assessoria da pasta supostamente dirigida por Queiroga escreveu: "De acordo com a análise preliminar da Controladoria Geral da União, não há irregularidades no contrato, mas, por compliance, o Ministério da Saúde optou por suspender o contrato para uma análise mais aprofundada do órgão de controle. Vale ressaltar que o governo federal não pagou nenhum centavo pela vacina Covaxin."
Quer dizer: o contrato firmado com a Precisa Medicamentos, a empresa de ficha suja com a qual o governo transacionou para importar uma vacina que a Anvisa não avalizou, tornou-se uma peça sui generis. É um caso raro de contrato suspenso por ausência de irregularidade.
Alguém colocou na forquilha um elefante de US$ 45 milhões. Em moeda nacional, dá mais de R$ 200 milhões. Se o servidor Luis Ricardo Miranda não tivesse colocado o pé na porta, o dinheiro teria sido transferido para uma conta em Singapura, em nome de uma empresa não mencionada no contrato. Seria um pagamento antecipado por uma mercadoria indisponível.
Construíram-se, por ora, três versões para blindar Bolsonaro. Numa, o ministro palaciano Onyx Lorenzoni e o coronel investigado Elcio 'Supostamente' Franco desqualificaram os irmãos Miranda, acusando-os de brandir uma nota fiscal falsa. A fatura milionária cobrada antecipadamente foi um "erro", não uma delinquência. A reserva de R$ 1,6 bilhão continua intacta, à espera do próximo equívoco.
Essa primeira versão não colou, pois o documento dos Miranda era autêntico. Entrou em cena o general Eduardo Pazuello. Foi a ele que Bolsonaro diz que se dirigiu para ordenar a apuração das suspeitas levantadas pelos irmãos Miranda em 20 de março, um sábado.
Os criadores de versões do Planalto esqueceram de combinar com a folhinha. Pazuello estava de saída. Bolsonaro alardeara em 15 de março a substituição do general pelo cardiologista Queiroga, que tomou posse em 23 de março. Pela lógica, o presidente deveria tratar do problema com o novo ministro, não com o antecessor. Mas Bolsonaro e a lógica são coisas inconciliáveis.
Nesta terça-feira, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, colocou mais um militar no espaço entre o escândalo e o gabinete presidencial. Declarou que, ao ser acionado pelo presidente em 22 de março, véspera do seu desembarque da poltrona de ministro, Pazuello delegou ao coronel Elcio 'Supostamente' Franco a missão de perscrutar o contrato da Covaxin à procura de ilegalidades.
Então número Dois do Ministério da Saúde, o coronel limpou as gavetas em 26 de março. Antes, concluiu, com a velocidade de um raio, que o contrato com a Covaxin estava limpo. Digeriu a ausência de aval da Anvisa. Engoliu a empresa mal asseada que atua como intermediária. Tratou como banalidade o elefante de US$ 45 milhões. Considerou normal a indicação de uma logomarca alienígena como destinatária dos pagamentos, no paraíso fiscal de Singapura.
Curiosamente, Elcio 'Supostamente' Franco não mencionou esse seu relevantíssimo papel de auditor do contrato da Covaxin na exposição que fez aos repórteres há quatro dias, no Planalto. Onyx Lorenzoni, que estava ao seu lado, tampouco se lembrou de mencionar o fato. A dupla estava mais preocupada em desqualificar os irmãos Miranda, tachando de falso um documento autêntico. estava disponível no sistema da pasta da Saúde. Mas o "coronel-auditor" desconhecia a peça.
Acusado no Supremo Tribunal Federal do crime de prevaricação, Bolsonaro acredita que as revelações do deputado bolsonarista Luis Miranda não tisnaram o discurso segundo o qual não há corrupção no governo. A CPI se equipa para ouvir em sessão secreta novas revelações do servidor Luis Ricardo Miranda. Se os novos segredos tiverem o potencial destrutivo do primeiro, o capitão e seus protetores inocentes ficarão com uma aparência de virgens de Sodoma e Gomorra.
A propósito, o líder Ricardo Barros, colocado no centro do "rolo" por Bolsonaro, ainda responde pela liderança do governo na Câmara. Barros é uma flor do logo do centrão. Bolsonaro o mantém na função porque acha que tem um líder entre os deputados. Demora a se dar contra de que o líder e seu grupo é que têm o presidente.
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