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Josias de Souza

REPORTAGEM

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Toffoli decide arquivar pedidos de investigação contra Guedes e Campos Neto

Ueslei Marcelino/Reuters
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Colunista do UOL

09/10/2021 02h29

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O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, enviou para o arquivo pedidos de investigação contra o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre empresas abertas pela dupla em paraísos fiscais (offshores). A decisão foi tomada no âmbito de ações movidas pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e pelo PDT.

Os negócios de Guedes e Campos Neto no exterior foram revelados na série de reportagens batizada de Pandora Papers, do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. Guedes abriu a Dreadnoughts Internacional, nas Ilhas Virgens Britânicas, com patrimônio de US$ 9,5 milhões. A empresa continua ativa. Campos Neto criou a Cor Assets, no Panamá, fechada no ano passado.

Randolfe e o PDT pediram que o Supremo requisitasse ao procurador-geral da República Augusto Aras a abertura de investigação contra as duas principais autoridades econômicas do governo Bolsonaro. Em ações desse tipo, os ministros da Suprema Corte costumam requisitar a manifestação da Procuradoria antes de tomar uma decisão. Toffoli determinou o arquivamento sem ouvir Aras.

O ministro limitou-se a anotar em seu despacho: "Cabe salientar que a Procuradoria-Geral da República, detém, privativamente, a atribuição de promover a ação penal pública em face dos alegados crimes praticados por autoridades com foro por prerrogativa de função, caso de ministros de Estado".

Segundo Toffoli, "não há como o Judiciário substituir a atividade" do Ministério Público Federal, "exercendo juízo valorativo sobre fatos alegadamente criminosos." Para ele, trata-se de uma "atribuição exclusiva" da Procuradoria. O ministro acrescentou que "tampouco cabe ao Judiciário que 'solicite a abertura de investigação' como constou na inicial."

Toffoli como que lavou as mãos, anotando em seu despacho que os requerentes podem "apresentar a notícia crime" contra Guedes e Campos Neto "diretamente à Procuradoria-Geral da República, não cabendo ao Judiciário imiscuir-se na atuação daquele órgão ou substituir o cidadão nesse encaminhamento."

No início da semana, Augusto Aras determinara a abertura de "investigação preliminar" sobre o caso. Significa dizer que analisará as explicações apresentadas pelo ministro da Economia e pelo presidente do BC antes de decidir se requisita ou não ao Supremo a abertura de inquérito.

A deflagração de apurações preliminares tornou-se usual na gestão Aras. O procurador-geral procede assim sempre que lhe chegam suspeições envolvendo autoridades do governo Bolsonaro. Na grossa maioria dos casos, o destino das investigações é o arquivo.

A abertura de empresas em paraísos fiscais é legal, desde que os titulares comuniquem à Receita Federal e ao Banco Central. A legislação brasileira proíbe, entretanto, o exercício de função pública incompatível com eventuais interesses privados.

De resto, o Código de Conduta da Alta Administração Federal sujeita a demissão autoridades que possuem "investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual [...] tenha informações privilegiadas."

Nesta sexta-feira, Guedes falou pela primeira vez sobre o caso. Deu-se num evento virtual promovido por uma instituição financeira. Expressando-se em língua inglesa, o ministro tratou do tema sem que ninguém perguntasse. Disse que as transações de sua offshore são "legais".

Informou que a empresa "foi declarada". Acrescentou que "não houve movimento cruzando as fronteiras, trazendo dinheiro do exterior ou mantendo dinheiro no exterior." Acrescentou: "Desde que eu coloquei dinheiro lá, em 2014-2015, eu declarei legalmente."

Na versão do ministro, "não há conflito de interesses." Ele sustenta que saiu da empresa antes de entrar no governo. "Tudo está limpo, tudo é legal, tudo está declarado. Qualquer dinheiro que está lá está nas mãos de gestores independentes, em jurisdições em que minha ação [como ministro da Economia] não tem influência nenhuma."

Em reportagem publicada na última segunda-feira (4), a BBC Brasil recordou que, em quase três anos à frente da pasta da Economia, Guedes fez uma série de declarações controversas sobre o dólar. A moeda americana teve valorização de quase 40% desde o início do governo Bolsonaro.

Para quem mantém investimentos no exterior o dólar mais caro tem efeitos benfazejos. No caso da Dreadnoughts International, a empresa offshore fundada por Guedes em 2014, a alta do dólar desde 2019 produziu uma valorização de pelo menos R$ 14 milhões. Hoje, os US$ 9,55 milhões aportados pelo ministro nas Ilhas Virgens Britânicas valem o equivalente a R$ 51 milhões.

Em fevereiro de 2020, Guedes declarou, por exemplo, que o dólar alto seria positivo porque "empregada doméstica estava indo para a Disney, uma festa danada". Antes, em novembro de 2019, o ministro afirmara, em visita a Washington, que os brasileiros deveriam "se acostumar" com o câmbio mais alto. Seria um reflexo da nova política econômica, com juros mais baixos. "O dólar está alto? Problema nenhum, zero", dissera Guedes.

No momento, o governo tenta aprovar no Congresso uma reforma do Imposto de Renda. A proposta está pendente de votação no Senado. Foi aprovada na Câmara após negociação em que Guedes avalizou a exclusão de artigo que previa a taxação anual de brasileiros que, como ele, guardam recursos em paraísos fiscais.

Na conversa virtual desta sexta-feira, o ministro disse ter perdido dinheiro ao entrar no governo. "Eu vendi todo o meu trabalho com private equity. Eu vendi tudo. Perdi muito dinheiro vindo aqui, exatamente para evitar problemas. Tudo o que estava ao meu alcance vendi a preço de investimento. Perdi muito mais do que está na offshore."

"O resto é barulho, barulho, barulho", disse o ministro. "Ataques, ataques pessoais." Para Guedes, o alarido vai crescer, pois "estamos caminhando para as eleições."

Guedes foi convocado a dar explicações no plenário da Câmara. A convocação foi aprovada graças a uma inusitada aliança dos partidos do centrão com legendas de oposição.

Em viagem ao exterior, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), avalizou a articulação. A data ainda não foi marcada. Bolsonaro assiste calado ao desgaste do principal ministro de sua equipe. O silêncio do presidente, por ensurdecedor, é considerado surpreendente por membros da equipe econômica.