Onda de votos em Gonet leva os bolsonaristas à praia de Xandão
A diferença entre a esperteza do bolsonarismo e a estupidez é que a esperteza tem limites. Guindado por Lula à estratégica função de procurador-geral da República, Paulo Gonet promoveu um arrastão no Senado. Precisava de 41 votos. Havia em plenário 77 senadores na noite de quarta-feira. Vitaminado pela adesão da bancada bolsonarista, Gonet obteve o aval de 65 —ou 84,4% dos presentes. Decorridas menos de 24 horas, o bolsonarismo se deu conta de que, além de realizar o sonho de Gonet, pode ter realizado o seu próprio pesadelo.
Nesta quinta-feira, ao se despedir da função de representante da Procuradoria no Tribunal Superior Eleitoral, Gonet desmanchou-se em elogios ao presidente da Corte, Alexandre de Moraes. Declarou que Moraes, algoz de Bolsonaro e dos seus seguidores, "serve como baliza" para sua atuação futura. "Se eu tenho uma boa experiência para me servir de guia na Procuradoria-Geral da República, eu recebi essa experiência daqui, da Justiça Eleitoral, especialmente de vossa excelência, ministro-presidente", disse Gonet.
Junto com Gilmar Mendes, Moraes apadrinhou a indicação de Gonet. Na véspera, em sabatina na Comissão de Justiça do Senado, Gonet evitou se contrapor ao inquérito das fake news, convertido por Moraes no Supremo Tribunal Federal numa espécie de excursão de Bolsonaro e seus devotos pelos nove círculos do inferno de Dante.
No TSE, o novo procurador-geral elogiou a "postura intimorata [destemida]" de Moraes para impor o "respeito aos valores democráticos, aos valores da ordem jurídica". Enalteceu-lhe a "coragem cívica sem par e um respeito absoluto ao ordenamento jurídico e sempre com os olhos voltados para o bem dos valores republicanos."
Quer dizer: A onda de votos proporcionada a Gonet para constranger Flávio Dino, enviado ao Supremo Tribunal Federal com apenas seis votos além do necessário, levou os bolsonaristas à praia de Xandão. Como procurador-geral, caberá a Gonet transformar em denúncia as provas reunidas nos processos relatados por Moraes no Supremo.
Velha raposa da política brasileira, Tancredo Neves ensinou que a esperteza, quando é muito grande, engole o dono.
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