Josias de Souza

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Voto de Gilmar sobre foro tem cheiro de Bolsonaro queimado

Cavalgando um habeas corpus de Zequinha Marinho, um senador obscuro do Pará, Gilmar Mendes levou ao plenário virtual do Supremo um voto que amplia enormemente o alcance do chamado foro privilegiado. Anota que parlamentares e altas autoridades devem ser julgadas na Corte mesmo após o fim dos mandatos ou nos casos de renúncia, não reeleição ou cassação. A manifestação de Gilmar exala um cheiro forte de Bolsonaro queimado.

Hoje, vigora no Supremo uma decisão restritiva aprovada em 2018 pelo apertado placar de 6 a 5. Foi sugerida por Luís Roberto Barroso. Prevê que seriam julgados no Supremo apenas os crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo. Por esse critério, os inquéritos contra Bolsonaro não deveriam, em tese, estar sob os cuidados de Alexandre de Moraes. Como se sabe, o capitão perdeu o mandato de presidente em 2022, quando a maioria do eleitorado sonegou-lhe a reeleição.

Se for avalizado pela maioria do Supremo, o voto de Gilmar pulveriza a alegação da defesa segundo a qual as encrencas estreladas por Bolsonaro —da falsificação dos cartões de vacina à tentativa de golpe— deveriam descer da cobertura para o térreo do Judiciário, com todo o horizonte de recursos protelatórios que os réus costumam manejar para evoluir da primeira instância até o Éden da prescrição.

Ironicamente, o próprio Gilmar havia se esgueirado pelas frestas da jurisprudência sobre o foro em 2021 para retirar um membro do clã Bolsonaro da frigideira do primeiro grau. Flávio Bolsonaro já estava bem passado quando prevaleceu na Segunda Turma do Supremo um voto de Gilmar avalizando decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que retirou a rachadinha do primogênito das mãos do juiz Federal Flávio Itabaiana, um magistrado que mastiga marimbondo e cospe ferrão.

O Ministério Público fluminense recorreu. Alegou que Flávio já não era deputado estadual. Portanto, perdera a prerrogativa de foro. Gilmar sustentou que a decisão do Supremo que havia restringido o alcance do foro —a mesma que ele agora sugere ampliar— valia apenas para os mandatos federais. A rediscussão de um tema assim, tão sujeito a flutuações, deveria ocorrer não no escurinho de um julgamento virtual, mas no plenário físico do Supremo, diante das câmeras da TV Justiça.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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