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Chico Pé de Pato, maior "justiceiro" de SP, vira tema de curta-metragem

Francisco Vital da Silva, o Chico Pé de Pato - Reprodução/Jornal Notícias Populares
Francisco Vital da Silva, o Chico Pé de Pato Imagem: Reprodução/Jornal Notícias Populares

Colunista do UOL

23/09/2020 04h02

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A história de Francisco Vital da Silva, o Chico Pé de Pato, um dos maiores "justiceiros" de São Paulo, acusado de matar ao menos 50 pessoas na zona leste paulistana nos anos 1980, é contada em um curta-metragem produzido por quatro jornalistas recém-formados.

Pé de Pato tornou-se um matador depois que um grupo de assaltantes invadiu a casa e estuprou a mulher e a filha dele, de 16 anos, no Itaim Paulista, zona leste. O apelido veio dos pés tortos dele, abertos como ponteiros marcando "dez para as duas" no relógio.

O curta-metragem começou como um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) dos quatro produtores, então alunos do curso de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi. Os estudantes apresentaram o trabalho à banca examinadora em junho deste ano e foram aprovados com nota 9,8.

O lançamento do filme está previsto para o próximo dia 3, pela produtora Doc Doc, do recém-formado jornalista Bruno Carvalho, 23, um dos responsáveis pela realização do curta-metragem.

A ideia de contar a história de Chico Pé de Pato partiu do próprio Bruno. Ele mora no Itaim Paulista, mesmo bairro onde vivia o "justiceiro" e desde pequeno ouve falar de Francisco Vital da Silva.

Além de Bruno, também produziram o filme os colegas de classe Andressa Nascimento, Cayo Fischer e Luís Gustavo Carvalho.

Os produtores ouviram jornalistas e fotógrafos que cobriram o caso de Chico Pé de Pato à época. Também entrevistaram o então secretário estadual da Segurança Pública, Michel Temer, além de policiais, psicólogo e advogado.

O filme mostra que as ações do "justiceiro" contavam com o apoio popular e de muitos policiais civis e militares. Chico Pé de Pato era ovacionado por matar bandidos.

Há quem diga que policiais costumavam entregar para Chico Pé de Pato uma lista com nome de bandidos que deveriam morrer. E também havia rumores de que comerciantes pagavam ao "justiceiro" pelos "serviços prestados".

Chico Pé de Pato caiu em "desgraça" quando confundiu um policial militar à paisana com um bandido, ao entrar em um bar na avenida dos Ipês, no Jardim dos Ipês, na zona leste.

O "justiceiro", até então reverenciado, matou o PM com um de seus dois revólveres e passou a ser caçado por policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a unidade de elite da Polícia Militar.

Com medo de ser morto, Chico Pé de Pato decidiu se entregar. Não para a polícia. Mas para o radialista Afanásio Jazadji. O jornalista apresentava um programa em uma emissora de rádio e era o campeão de audiência.

O matador era fã incondicional de Jazadji. E realmente só negociou sua rendição com ele. Isso aconteceu em 1985. Chico Pé de Pato foi preso e condenado a seis anos e oito meses, apesar de ter sido suspeito pela morte de ao menos 50 pessoas.

O criminoso foi levado para o então presídio mais perigoso da América Latina: A Casa de Detenção de São Paulo, no Carandiru, zona norte da capital, também conhecida como "casa dos horrores" por causa das constantes mortes violentas de presos e frequentes rebeliões sangrentas.

A princípio, o "justiceiro" ficou detido no Pavilhão 2. Depois foi levado para o Pavilhão 4, destinado a presos com diplomas de curso superior, além de estrangeiros e outros jurados de morte, como era o caso dele.

A coluna do UOL encontrou nesta terça-feira (22) o cabo da Polícia Militar Erivaldo José dos Santos, 69 anos, hoje aposentado. Nos anos 1980, ele trabalhava no BPGd (Batalhão de Polícia de Guardas).

O BPGd era responsável pela vigilância nas muralhas dos presídios de São Paulo e também pela escolta de presos levados para audiências judiciais em fóruns, atendimentos em hospitais ou transferências para outras prisões.

O cabo Erivaldo disse ao UOL que perdeu a conta de quantas vezes levou Chico Pé de Pato para audiências no tribunal do júri no Fórum da Penha, na zona leste.

Durante o trajeto para o fórum, Pé de Pato contava para Erivaldo que enquanto estivesse vivo, jamais iria esquecer o que os bandidos fizeram para a mulher e a filha dele.

"O Chico Pé de Pato nunca conseguiu apagar da memória a crueldade sofrida pela família dele. Sempre dizia que esse episódio iria persegui-lo a vida inteira. Quando narrava a história demonstrava ódio no olhar e no coração", lembra Erivaldo.

Foi o próprio Erivaldo quem levou, junto com outro PM, Chico Pé de Pato de "bonde" (como é chamada a remoção de preso no sistema prisional) da Casa de Detenção para a Penitenciária de Franco da Rocha, na Grande São Paulo.

Dias depois, ouvindo o programa de Afanásio Jazadji, Erivaldo soube que o justiceiro, jurado de morte em todo o sistema prisional paulista, havia sido assassinado por um grupo de presos.

Agentes penitenciários afirmaram que ele levou cerca de 50 estocadas de estiletes. Outros disseram que foram ao menos 91. Pé de Pato foi assassinado no dia 27 de janeiro de 1987, aos 45 anos de idade.

Os produtores do curta-metragem têm planos para transformar a história dele em um longa. Para alguns dos personagens do filme, o justiceiro foi vilão. Para outros, foi herói.

Na opinião do produtor Bruno Carvalho, Chico Pé de Pato foi uma vítima do sistema, principalmente do sistema prisional, que não teve competência para garantir a integridade do preso sob tutela do Estado.