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Josmar Jozino

REPORTAGEM

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PCC começou no atacado da cocaína após viagem de membro à Bolívia em 2007

Colunista do UOL

28/07/2021 04h00

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A viagem de Vagner Roberto Raposo Olzon, 49, o Fusca, ao Paraguai e Bolívia em meados de 2007, a mando do PCC (Primeiro Comando da Capital), marcou o início do processo de internacionalização da maior facção criminosa do Brasil no mercado das drogas.

A ida do emissário aos países vizinhos da América do Sul teve como objetivo a negociação do fornecimento mensal de uma tonelada de cocaína, além de armas e de explosivos para a "família PCC".

Os detalhes da viagem de Fusca à Bolívia e ao Paraguai foram narrados por ele mesmo em uma carta de oito páginas escrita para a liderança do PCC presa à época na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP). A correspondência, no entanto, não chegou aos destinatários.

Esta é uma das histórias reveladas na segunda temporada da série documental "Primeiro Cartel da Capital", que estreou ontem em todas as plataformas do UOL. Trata-se de uma produção do Núcleo Investigativo do UOL e de MOV.doc, a produtora de documentários do UOL, e tem novamente direção do documentarista João Wainer.

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Carta de Vagner Roberto Raposo Olzon, membro do PCC, escrita no ano de 2007
Imagem: Arte/UOL

Carta interceptada pela Rota

A carta foi apreendida em 29 de fevereiro de 2008, quando Fusca e o comparsa Christian Francisco de Souza foram presos por policiais militares da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) na zona norte de São Paulo. Com a dupla, os PMs disseram ter apreendido R$ 674.633,00 e 2 kg de cocaína.

Na carta, Fusca diz que chegou a Corumbá, em Mato Grosso do Sul, num sábado à noite, e que seu primeiro contato foi com o "irmão" Velhote. Ele menciona que foi orientado a se encontrar com outro faccionado, conhecido como "irmão Baía".

No dia seguinte, ele e Baía atravessam a fronteira para a Bolívia. Fusca é apresentado a Miguel, um traficante de drogas muito conhecido na cidade de Porto Quijaro. O brasileiro escreve na correspondência que Miguel é filho de Dom Eduardo, um homem com muita influência na política daquele país.

Segundo Fusca, Dom Eduardo fez uma ligação telefônica para a base policial da fronteira e conseguiu permissão para o emissário do PCC ficar por 90 dias na Bolívia. Na segunda feira, eles viajaram de avião para Santa Cruz de La Sierra.

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PCC domina o tráfico internacional de cocaína, a partir do Brasil para Europa
Imagem: Getty images

Encontro com Capilo

Dessa vez, Fusca foi recepcionado pelo narcotraficante paraguaio Carlos Alberto Caballero, o Capilo. Todos foram para a casa do "irmão" Velhote. Enquanto eles conversavam, chegou de repente o "irmão" William. Este último levou o grupo para a mansão dele.
Fusca deu detalhes ao anfitrião sobre as ações do PCC.

Contou como a facção investia o dinheiro - ilícito ¬- na compra de veículos (pé de borracha), ajuda a parentes de presos (cestas básicas) e até na contratação de advogados (sintonia dos gravatas) para defender os interesses jurídicos da organização.

Ambos também conversaram sobre drogas e acertaram o fornecimento de uma tonelada de cocaína por mês e a venda de fuzis para o PCC. William disse a Fusca que também poderia arrumar explosivos plásticos e indicar inclusive um conhecido dele especialista em fabricar bombas.

O acordo do PCC com os criminosos da Bolívia e do Paraguai foi selado naquela reunião. Era o primeiro passo para a internacionalização da organização criminosa. A cúpula da facção presa na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau ficou satisfeita com o resultado da viagem de Fusca.

Dois anos depois, em 27 de dezembro de 2009, Capilo foi preso junto com o narcotraficante Jarvis Chimenes Pavão, chamado de "rei da fronteira", também acusado de integrar o PCC. Ambos foram presos na cidade paraguaia de Concepción e acabaram extraditados para o Brasil anos depois.

paraguai - 29.jan.2020 - Marina Garcia/UOL - 29.jan.2020 - Marina Garcia/UOL
Menina brinca em quadra com picho do PCC em Pedro Juan Caballero (Paraguai)
Imagem: 29.jan.2020 - Marina Garcia/UOL

Presença na fronteira

O PCC já contava naquela época com vários faccionados no Paraguai e na Bolívia. Alguns estavam presos e outros em liberdade. Anos depois da prisão de Pavão, Jorge Rafaat assumiu o comando do tráfico de drogas na região de fronteira.

Rafaat foi assassinado com 16 tiros de fuzil e metralhadora calibre 50 em Pedro Juan Caballero, na fronteira com Ponta Porã, em junho de 2016. Segundo investigações da polícia paraguaia, ele foi morto a mando do PCC porque também negociava drogas com o CV (Comando Vermelho) do Rio.

Depois do assassinato de Rafaat, as facções criminosas PCC e CV romperam uma aliança de 23 anos e passaram a ser inimigas. O conflito entre as duas organizações teve reflexos nas prisões brasileiras e deixou saldo de dezenas de detentos mortos nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.

O PCC assumiu de vez o controle do tráfico de drogas nas áreas de fronteira com Bolívia e Paraguai. A internacionalização da facção paulista já estava consolidada. Os negócios da organização se expandiram e a exportação de cocaína para a Europa e África passou a ser a principal atividade do grupo.

Narcotraficantes ligados ao PCC, como André de Oliveira Macedo, o André do Rap, e Anderson Lacerda Pereira, o Gordão, entre outros, foram apontados pela Polícia Federal como alguns dos principais exportadores de cocaína da facção paulista para grupos mafiosos europeus.

Ambos estão foragidos. A PF suspeita que eles e outros integrantes do primeiro escalão do PCC estão refugiados na Bolívia e de lá continuam comandando toda a logística, desde a produção, distribuição e exportação de cocaína para a Europa via portos brasileiros.

Rede Narcosul

Especialistas em segurança pública chamam o PCC hoje de "Narcosul", a rede criminosa criada no Brasil e países vizinhos da América do Sul. Outras autoridades classificam a facção como o maior cartel de drogas da região, capaz de lavar de bilhões de reais por ano com a exportação de cocaína.

Fusca teve participação fundamental nesse processo de internacionalização do PCC. Porém, logo depois de ser preso, ele foi excluído da organização por razões até hoje não explicadas. A Justiça Federal de São Paulo o condenou a 19 anos e oito meses de prisão.

O emissário da facção paulista ao Paraguai e Bolívia cumpriu pena em presídios do estado sem a presença de integrantes do PCC. Segundo a Secretaria Estadual da Administração Penitenciária, Fusca estava recolhido em um presídio de Sorocaba e saiu em liberdade em 21 de agosto de 2019.