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Josmar Jozino

REPORTAGEM

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PCC: Sargento preso é peça-chave para esclarecer série de mortes no Tatuapé

Policial militar Farani Salvador Freitas Rocha Júnior, suspeito de prestar serviços ao PCC - UOL
Policial militar Farani Salvador Freitas Rocha Júnior, suspeito de prestar serviços ao PCC Imagem: UOL

Colunista do UOL

02/01/2022 04h00

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O sargento da Polícia Militar Farani Salvador Freitas Rocha Júnior, 38, preso e acusado de ter mandado matar um colega de farda em 2020, é peça-chave para a Polícia Civil esclarecer uma série de assassinatos de integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital) no Tatuapé, zona leste de São Paulo.

O último crime foi registrado no dia 27 de dezembro de 2021 na rua Armindo Guaraná, 110. Anselmo Becheli Santa Fausta, 38, o Magrelo, foi morto a tiros dentro de um veículo. O comparsa dele e motorista do carro, Antônio Corona Neto, 33, também morreu baleado.

O DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) investiga qual era a ligação de Farani com Magrelo, apontado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público estadual, como um dos maiores fornecedores de drogas e armas do PCC.

Segundo investigações do DHPP, Farani mandou matar o cabo Wanderley Oliveira de Almeida Júnior, 38, por causa da apreensão de uma carga de cocaína e porque a vítima havia apurado que o sargento recebia R$ 200 mil por mês de traficantes da favela Caixa D'Água em Cangaíba, zona leste, comandada justamente por Magrelo.

Wanderley foi morto a tiros em 5 de fevereiro de 2020, em um restaurante em Itaquera, zona leste paulistana, onde fazia bico (serviço extra). Ele e Farani trabalharam no 4º Baep (Batalhão de Ações Especiais), no Parque Paulistano, também na zona leste.

Gegê do Mangue e Paca

O cabo tinha descoberto com informantes e colegas militares que, além de Magrelo, também eram "donos" da favela Caixa D'Água Silvio Luiz Ferreira, 43, o Cebola, e Cláudio Marcos de Almeida, 50, o Django, todos integrantes do PCC.

Magrelo, Cebola, e Django eram ligados a Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca, dois integrantes da alta cúpula do PCC assassinados em fevereiro de 2018 em uma aldeia indígena na região metropolitana de Fortaleza, no Ceará.

As mortes de Gegê e Paca desencadearam uma guerra sangrenta na facção criminosa. A série de assassinatos de integrantes da facção aconteceu exatamente no até então tranquilo Tatuapé e manchou de sangue as ruas do bairro.

A primeira delas aconteceu em 10 de fevereiro de 2018. Eduardo Ferreira da Silva, 40, foi assassinado com 26 tiros dentro de um Mercedes-Benz na rua Serra do Japi. O DHPP investiga se esse crime também foi provocado por um racha interno no PCC.

Dossiê estava pronto

O cabo Wanderley tinha preparado um dossiê contra o sargento e iria repassar as informações para seus superiores. Uma das acusações é a de que Farani havia pedido para ele levantar a placa de um veículo Audi de Cláudio Roberto Ferreira, o Galo, ladrão de bancos ligado ao PCC.

Três dias depois desse levantamento, Galo foi assassinado com 70 tiros na rua Coelho Lisboa, no Tatuapé. O crime aconteceu na noite de 23 de julho de 2018. Segundo o DHPP, cinco meses antes de morrer Galo atraiu para a morte Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, narcotraficante também integrante do PCC.

Cabelo Duro foi morto com tiros de fuzil na rua Eleonora Cintra, no Tatuapé, na noite de 23 de fevereiro de 2018. Uma semana antes ele havia coordenado e participado dos assassinatos de Gegê do Mangue e de Paca no Ceará.

As suspeitas do DHPP são de que o sargento Farani matou Cabelo Duro a mando de pessoas do PCC ligadas a Gegê e Paca, como vingança pelas mortes dos dois, e também assassinou o assaltante Galo como forma de queima de arquivo. O DHPP apura agora se Magrelo foi morto em represália ao assassinato de Cabelo Duro e se Farani tem alguma informação sobre o caso.

Maior denúncia do Gaeco

Os nomes de Magrelo, Cebola e Django, citados em documentos do DHPP como os donos da favela Caixa D'Água, para quem o sargento Farani é acusado de ter prestado serviços, também constam na maior denúncia oferecida pelo Gaeco em 2013 contra o PCC. São 175 denunciados.

Boa parte dos investigados estava presa na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP) e teve ligações telefônicas interceptadas com autorização judicial. Os diálogos monitorados comprovam o elo de Magrelo, Cebola e Django com Gegê do Mangue e Paca.

Numa das conversas monitoradas, de 11 de agosto de 2011, Paca, utilizando um telefone celular dentro da cela, em teleconferência com comparsas, sugere colocar Cebola e Django no comando do tráfico de drogas e também de armas do PCC nas ruas.

Em outro diálogo, captado em 22 de janeiro de 2013, Gegê do Mangue e Paca orientam o comparsa Rodrigo Cid Gonçalves, o Didi, a pegar 44 peças (tijolos) de drogas com Magrelo, também chamado de Coroa, para abastecer as prisões paulistas dominadas por integrantes do PCC.

Operação Sharks

As interceptações telefônicas comprovam a parceria criminosa de Magrelo, Django e Cebola com Gegê do Mangue e Paca. Cebola também foi denunciado por lavagem de dinheiro pelo Gaeco na Operação Sharks, deflagrada em setembro de 2020. Segundo a polícia, ele está foragido.

Uma das linhas de investigação do DHPP é a de que Farani está no centro do conflito do PCC e sabe tudo sobre a guerra interna da facção por ser o principal suspeito pelas mortes de Cabelo Duro e Galo, assassinados a mando de uma ala da facção criminosa ligada a Gegê do Mangue e Paca.

Após a prisão do sargento Farani, o DHPP cumpriu mandados de busca e apreensão em dois apartamentos relacionados a ele. Segundo a polícia, ambos ficam no bairro do Tatuapé, palco das matanças, sendo um na rua Arnaldo Cintra e outro na rua Margarida de Lima.

No dossiê contra Farani montado pelo cabo Wanderley consta que o sargento lhe pediu também para consultar o RG de Márcio Alario Esteves, o Turim, um dos parceiros de confiança de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, considerado o líder máximo do PCC.

Há ainda informações de que Farani intercedeu na liberação de um dos assaltantes dos 734 kg de ouro no aeroporto internacional de Guarulhos, ocorrido em 25 de julho de 2019, abordado por PMs.

De acordo com o DHPP, Farani também mandou um intermediário a Santa Catarina investigar Jonas Silva Correa, o Gordão, braço direito de Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, o Minotauro, chefe do tráfico de drogas do PCC no Paraguai, preso assim como Marcola na Penitenciária Federal de Brasília.

Sargento nega as acusações

Em depoimentos, o sargento Farani negou todas as acusações. Disse que não mandou matar o cabo Wanderley nem teve envolvimento nas mortes de Galo e de Cabelo Duro. Disse ainda não ter nenhuma ligação com integrantes do crime organizado.

Farani revelou que fazia segurança particular para Leandro de Souza Afonso, dono de postos de combustíveis em São Paulo. Leandro foi ouvido no DHPP e confirmou a informação. Em setembro de 2020, ele foi preso durante a Operação Rei do Crime, deflagrada pela Polícia Federal, mas já está solto.

A reportagem não conseguiu falar com os advogados de Farani, mas publicará a versão deles assim que houver o contato. Em petições judiciais, os defensores do sargento afirmam que ele é inocente, nunca teve envolvimento com assassinatos nem com o crime organizado, e que tudo será provado no decorrer do processo.