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Josmar Jozino

REPORTAGEM

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Corregedoria investiga PMs por narcotráfico e morte de piloto do PCC em SP

O ex-soldado Leonardo da Costa Figueiredo, que teve a prisão preventiva decretada e está foragido - Reprodução
O ex-soldado Leonardo da Costa Figueiredo, que teve a prisão preventiva decretada e está foragido Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

22/07/2022 04h00

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Ivo Oliveira Rodrigues, 32, foi preparado para assumir o posto de novo piloto de helicóptero do PCC (Primeiro Comando da Capital). A função dele seria transportar carregamentos de cocaína para a facção criminosa. A droga depois iria para o Porto de Santos (SP) e teria como destino final a Europa.

As prestações do curso de pilotagem de Ivo eram pagas pelo ortopedista Alexandre Pedroso Ribeiro, 54, conhecido como "Doutor PCC" na Baixada Santista. O médico está preso desde maio deste ano por ter facilitado uma ação do tribunal do crime da organização no hospital Santo Amaro, no Guarujá, onde trabalhava.

O sonho de Ivo em pilotar aeronaves não pode ser realizado. Ele acabou sequestrado, torturado, morto e esquartejado em 31 de outubro de 2019, quando foi visto pela última vez. Os restos mortais do rapaz até hoje não foram encontrados.

A Corregedoria da Polícia Militar investiga o envolvimento de um grupo de PMs no desaparecimento de Ivo e no tráfico internacional de drogas. Um dos suspeitos, o sargento Ronaldo Ribeiro Melo, 52, está recolhido preventivamente, desde o mês passado, no Presídio Militar Romão Gomes.

O ex-soldado Leonardo da Costa Figueiredo, 28, também teve a prisão preventiva decretada, mas encontra-se foragido. Há suspeita de que esteja escondido no Rio de Janeiro, sob proteção de milicianos. Na época do desaparecimento de Ivo, Leonardo ainda estava na ativa, ou seja, pertencia aos quadros da Polícia Militar. Outros dois PMs também são investigados.

As apurações da Corregedoria da PM apontam que o sargento Ronaldo e o ex-soldado Leonardo escoltavam carregamentos de cocaína do PCC para o porto de Santos. A droga era transportada por Ivo e o comparsa dele, Erivan Lima de Barros.

Sequestro, tortura e morte

Segundo a Corregedoria, Ronaldo e Leonardo desviaram parte das drogas. O PCC descobriu o roubo e sequestrou Ronaldo, Ivo e Erivan. Este último foi solto em 8 de novembro de 2019, com a promessa de encontrar Leonardo, e chegou em casa todo machucado por causa das torturas.

O setor de inteligência da PM recebeu a informação de que Ronaldo foi poupado pelo tribunal do crime, mas com uma condição: matar Ivo. O sargento negou a participação no crime. Erivan não teve melhor sorte. Como não revelou o paradeiro de Leonardo, foi assassinado em 16 de janeiro de 2020.

Investigadores da Corregedoria da PM chegaram ao nome de Ronaldo Melo em abril deste ano, ao investigar o sumiço de armas na 1ª Companhia do 3º Batalhão da Polícia Militar, no Jabaquara, zona sul paulistana. O sargento tinha as senhas dos cadeados dos armários.

Em 13 de maio deste ano foram cumpridos mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao sargento. Em poder dele foi apreendida farta munição. Ronaldo usou o certificado de registro de CAC (caçador, atirador e colecionador) para adquirir um fuzil calibre 5,56.

Um dia antes, PMs cumpriram um mandado de busca na casa de Ivo, à procura do fuzil. O pai do rapaz contou aos militares que o filho estava desaparecido desde outubro de 2019 e que era amigo do sargento Ronaldo Melo, do ex-soldado Leonardo e do médico Alexandre, o "Doutor PCC".

Além do pai de Ivo, a Corregedoria da PM ouviu outras testemunhas, uma delas envolvida com o desvio de drogas do PCC. Ela revelou que em 10 de outubro de 2019 entregou 30 kg de cocaína e R$ 150 mil para o ex-soldado Leonardo.

Em novembro de 2019, Leonardo, a mulher dele e outro PM investigado pela Corregedoria viajaram para os Estados Unidos. Eles ficaram hospedados na casa de um cunhado do ex-soldado, que havia deixado o Brasil dois meses antes por também ter sido sequestrado no Guarujá pelo tribunal do crime do PCC.

Dólares e ostentação

De acordo com as investigações, o "Doutor PCC" ajudou Leonardo e o outro PM a comprar dólares para a viagem. O ex-soldado e o amigo militar alugaram carros, visitaram a Disney, gastaram US$ 10 mil cada e tiveram de pedir dinheiro emprestado para cobrir as dívidas. Leonardo esbanjou e fez até foto ostentando um Rolex.

Uma testemunha disse à Corregedoria da Polícia Militar que a base dos PMs envolvidos no desvio de drogas do PCC era o luxuoso condomínio Acapulco, no Guarujá, onde também moravam o ex-soldado Leonardo e o "Doutor PCC".

O ortopedista tinha ligações com o narcotraficante Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, acusado de participar dos assassinatos de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca, líderes do PCC, em fevereiro de 2018 em Fortaleza, no Ceará.

Uma semana depois do duplo assassinato, Cabelo Duro foi morto no Tatuapé, zona leste paulistana. Quem levou Gegê do Mangue e Paca para a morte, de helicóptero, foi o piloto Felipe Ramos Morais. Ele fez acordo de delação premiada com a Polícia Federal.

A ideia do "Doutor PCC" era justamente fazer de Ivo o substituto de Felipe no transporte de cocaína para a facção criminosa por meio de aeronaves. O tribunal do crime pôs fim a esse projeto.

A reportagem não conseguiu contato com os advogados do sargento Ronaldo Melo, do ortopedista Alexandre Ribeiro e do ex-soldado Leonardo Figueiredo, mas publicará a versão dos defensores deles assim que houver um posicionamento.