Documentário mostra aflição de parentes de presos em regime de isolamento
O documentário "O Grito", produzido pela K2 e Real Filmes e exibido desde domingo (29) na Netflix, mostra a aflição de mães, mulheres, filhos e amigos de presos isolados há anos em RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), um sistema de castigo em vigor desde 2003 nas prisões brasileiras.
No RDD, o prisioneiro é mantido 22 horas em cela individual, sem acesso a rádio, TV, jornais e revistas. Tem direito apenas a duas horas diárias de banho de sol com no máximo quatro detentos. A visita ocorre uma vez por semana e não há contato físico. Vidro blindado separa presos e visitantes.
A produção ouviu relatos de desembargadores, como Kenarik Boujikian, aposentada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e especialista em Direitos Humanos, o juiz Luiz Carlos Valois, o advogado Alberto Toron, o padre Júlio Lancellotti, o rapper e compositor Dexter, entre outros.
Também foram ouvidos parentes dos irmãos Marco Willians Herbas Camacho, 56, o Marcola, e Alejandro Juvenal Herbas Camacho Júnior, e dos presos Célio Marcelo da Silva e Paulo César Souza do Nascimento Júnior, o Paulinho Neblina, todos recolhidos em presídios federais.
A desembargadora Kenarik observou que as famílias dos prisioneiros enfrentam humilhação nas filas dos presídios. O advogado e delegado aposentado da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Orlando Zaccone, afirmou que retirar o contato da família com o preso é cruel e mecanismo de tortura.
Saúde mental dos presos preocupa
Para o criminalista Alberto Toron, o preso está cumprindo pena, mas tem os direitos mínimos que devem ser conservados, como poder abraçar e beijar os filhos e a mulher. Já o psiquiatra forense Hewdy Lobo ressaltou que a questão da saúde mental dos presos brasileiros é preocupante.
Segundo ele, muitos prisioneiros que entram no RDD sem adoecimento mental acabam desencadeando a doença e os outros que já estão adoecidos registram piora no quadro de saúde.
O juiz Luís Carlos Valois, mestre e doutor em direito pela USP (Universidade de São Paulo), comentou no documentário que a realidade das prisões brasileiras é bem diferente do que determina e do que está escrito na LEP (Lei de Execução Penal).
O padre Júlio Lancellotti disse que no Brasil não basta tirar a liberdade, mas tem de fazer sofrer. E o rapper Dexter acrescentou que a ressocialização no sistema prisional nunca existiu e que ressocializar alguém que jamais foi socializado é contraditório.
Família de Marcola foi ouvida
O documentário ouviu ainda Noêmia Oliveira, tia de Marcola, apontado como líder máximo do PCC (Primeiro Comando da Capital) e do irmão dele, Alejandro Juvenal Herbas Camacho Júnior. Ambos estão presos na Penitenciária Federal de Brasília.
Noêmia contou que não vê Marcola e Júnior há muitos anos e, emocionada, prometeu que não morrerá sem rever os dois. Eunice Ferreira de Moraes, mãe de Paulo César Souza Nascimento Júnior, o Paulinho Neblina, afirmou que sua luta é para que o filho tenha os direitos respeitados.
Dona Nice, como é conhecida, há décadas visita o filho na prisão e é uma das mães de presos mais ferrenhas na luta contra o RDD. Em março de 2022, ela se acorrentou em frente ao prédio da Justiça Federal, em Brasília, em protesto contra o sistema de castigo implantado nos presídios federais.
Kelly Cristina Borges da Silva, mulher do presidiário Célio Marcelo da Silva, também teve participação no documentário "O Grito" e revelou que criou até uma página nas redes sociais, denominada SOS Relatos Presídio Federal para denunciar eventuais abusos e maus-tratos nas prisões federais.
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