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Juliana Dal Piva

REPORTAGEM

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"Grande decepção da minha vida", diz mentor de Ernesto Araújo no Itamaraty

Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores - AFP
Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores Imagem: AFP

Colunista do UOL

29/03/2021 15h45

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O embaixador aposentado Sérgio Florêncio, um dos primeiros professores do ministro Ernesto Araújo quando ele chegou ao Instituto Rio Branco para o início da carreira no Itamaraty, afirmou em entrevista à coluna que o ex-aluno se tornou uma "grande decepcão".

Araújo avisou a membros de sua equipe que vai entregar hoje o pedido de demissão ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

"O Ernesto foi uma das grandes decepções que eu tive na minha vida. Naquela época, ele era um bom aluno, bom nível cultural, depois já fui chefe dele no Mercosul. Ele era uma pessoa normal, uma boa formação cultural, de modo que foi extremamente surpreendente ver a guinada radical dele em direção a um extremismo de direita sem sentido e contrário à defesa do interesse nacional. Foi uma grande decepção", desabafou Florêncio.

Florêncio foi professor da turma de Araújo no Itamaraty em 1990, em uma conjuntura política onde havia muito interesse pela discussão da América do Sul. O embaixador era professor de política externa e trabalhava na Divisão do Mercosul. Florêncio diz que boa parte da turma era entusiasta do Mercosul.

Os dois chegaram a escrever juntos o livro "Mercosul Hoje", entre 1995 e 1998. Anos depois Araújo apresentou, em 2008, sua tese "Mercosul Negociações Extrarregionais" no Centro de Altos Estudos do Itamaraty, requisito para os diplomatas que pretendem ser promovidos ao topo da carreira e alcançar o posto de embaixadores. Nos dois trabalhos, há uma clara defesa das negociações regionais e um alinhamento à política externa que refuta inclusive que este alinhamento, à época, tivesse fundamento ideológico.

Todo esse trabalho, porém, não se viu nos dois anos em que Ernesto Araújo foi chanceler do Brasil. "Ele se afastou de todos os paradigmas da política externa brasileira, de uma postura de independência marcante em relação às superpotências. O Brasil teve períodos de alinhamento marcante, mas, desde 1967, a gente retomou a linha de aproximação com os países em desenvolvimento, postura que rendeu muitos frutos ao país", apontou Florêncio.

Para o embaixador aposentado, o trabalho de Ernesto Araújo no Itamaraty foi "desconstruir todo esse patrimônio de credibilidade e coerência que o Brasil construiu ao longo de tantos anos".

"A política externa desses últimos dois anos foi desastrosa. Ganhou importância por sua negatividade e por criar dificuldades maiores nessa tragédia de mais de 300 mil mortos que enfrentamos", avaliou.

Florêncio diz que o grande erro de seu ex-aluno foi ter se tornado um "fanático".

"O grande erro foi não ter posição. Ele assumiu integralmente a postura dessas figuras, o que é o mais lamentável, se transformou num fanático dessa seita política que interpreta os acontecimentos da historia sem consistência ou base teórica. Então, tudo vira uma sucessão de atos impensados e que tem como direção principal essa obsessão pela reeleição e uma política externa voltada para um nicho de bolsonaristas radicais", afirmou o embaixador aposentado.

Para ele, o chanceler não tinha "uma política externa própria".

"Ele era manipulado, em primeiro lugar, pelo presidente que não tem nenhuma visão, sensibilizada de política externa e, em segundo lugar, pela família do presidente. Depois por Filipe Martins (assessor especial do presidente), e Olavo de Carvalho".