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Nunes Marques adia degola de Moro, mas será preciso responsabilizar ex-juiz
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No estado democrático de direito, há regras para investigar, julgar e condenar alguém. Se elas são desobedecidas por aqueles que deveriam aplicar a lei e fiscalizar a sua aplicação, a responsabilidade não é de advogados de defesa nem dos políticos e empresários que foram alvos da corrupção da lei processual penal. Competência é uma regra basilar do direito.
Mas falar em estado democrático de direito parece assustar o jornalismo. Pedir a responsabilização de Moro, Deltan Dallagnol, procuradores da República e delegados da Polícia Federal por terem desvirtuado a lei com um Código de Processo Penal imaginário fere os brios da parcela da imprensa que aderiu ao lavajatismo.
Certo jornalismo profissional foi correia de transmissão de uma operação de combate à corrupção que se corrompeu ao longo do caminho. Moro e Dallagnol insistiram na vara universal de Curitiba e cometeram seguidos crimes. Não foi um simples equívoco isolado. Houve método para levar o caso do ex-presidente Lula aos cuidados de Moro.
Quem tem apreço pela democracia deveria ter apoiado o julgamento da suspeição de Moro. Fachin, cuja falta de coragem pessoal não encontra rival no Supremo, onde essa contenda é braba, tentou salvar a pele do ex-juiz e da Lava Jato quando decidiu nesta segunda-feira isolar o caso de Lula e decretar que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgar os processos do ex-presidente petista.
A decisão de Fachin devolveu Lula ao jogo eleitoral, pois o petista deixa de ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Mas, buscando um gol de mão, tentou simultaneamente limpar a lambança do lavajatismo.
Competência é diferente de suspeição, outra regra fundamental do estado democrático de direito. A primeira afere se o juiz pode julgar a causa. A segunda versa sobre a imparcialidade com a qual o juiz deve ser comportar na instrução e conclusão das ações.
O ginasta
Ora, Fachin deu uma pirueta. Disse que os atos de Moro seriam anulados devido à falta de competência 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar Lula. Entretanto, decidiu que um novo juiz, em Brasília, avaliaria que atos da instrução (provas, depoimentos etc.) poderiam ser aproveitados em eventuais novos processos. Claro que interessava saber se Moro agiu ou não com suspeição (parcialidade) nos atos de instrução relacionados a Lula. É pura malandragem jurídica de Fachin tentar validar uma instrução feita naquelas conversas no Telegram entre Moro e os procuradores, mensagens completamente fora dos canais legais e que evidenciaram a corrupção do processo penal.
Temendo derrota no julgamento da suspeição de Moro na sessão desta terça feira da 2ª Turma do STF, Fachin apelou para o presidente do tribunal, Luiz Fux. Pediu que o assunto fosse adiado na 2ª Turma e debatido no plenário, onde teria mais chance de êxito na tarefa de passar pano para os desmandos da Lava Jato. Parece que a parcialidade de Moro contaminou Fachin.
Como Fux não atropelou a sessão da 2ª Turma desta terça-feira, Fachin tentou de novo. Na abertura da sessão, pediu que a própria 2ª Turma do STF abrisse mão da sua competência para julgar a suspeição. Gilmar Mendes, presidente da 2ª Turma, rejeitou a proposta de Fachin. Foi acompanhado pelos ministros Nunes Marques, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Até Cármen Lúcia, que está se reposicionando no tabuleiro do lavajatismo, deixou Fachin na mão.
O malabarista
A manobra de Fachin, relator da Lava Jato no STF, tornou mais importante a análise final do pedido de suspeição de Moro feito pela defesa de Lula. Mas o ministro Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, resolveu pedir vista logo depois de ter votado pela conclusão rápida do julgamento, o que é contraditório num espaço de horas. Constrangido, mas dizendo que não estava, quis limpar a barra de especulações de que agiria de acordo com os interesses políticos do Palácio do Planalto.
Ora, a reação de Bolsonaro não tem sido a de quem deseja enfrentar Lula num eventual segundo turno em 2022. O presidente parece temer o petista e certamente não quer ver viabilizada uma candidatura a presidente ou a vice de Moro em 2022. Há cálculo político a ser feito por Bolsonaro. Obviamente, tem caroço no angu desse pedido de vista que trava a conclusão do julgamento não se sabe por quanto tempo.
Por ora, há dois votos pela suspeição de Moro (Gilmar Mendes e Lewandowski) e dois contra (Fachin e Cármen Lúcia). Mas Cármen Lúcia, que insinuou possível mudança, prometeu se manifestar após o voto de Nunes Marques, que segurou a decisão que poderia ter saído hoje. Pouco depois das 18h, Gilmar Mendes encerrou a sessão.
A equilibrista
Cármen Lúcia, na corda bamba, agarrou-se rapidamente à solicitação de Nunes Marques. Ela, que disse já ter o voto pronto apesar dos sinais de pular do barco da Lava Jato e mudar seu entendimento, afirmou que preferia esperar a manifestação de Nunes Marques para voltar a tratar do tema. A manobra é clara. Ganhar tempo para adiar o julgamento da suspeição de Moro, que vê ser adiada a degola enquanto se aproximava da guilhotina no Supremo Tribunal Federal.
O juiz
Devidamente homenageado por Gilmar Mendes pela coragem de tomar decisões contra a maré, Lewandowski, que paga alto custo pessoal pela atuação modelar para ministro do Supremo, deu voto exemplar ilustrando a suspeição de Moro e seu abuso de poder. Lewandowski é um dos poucos juízes que restaram em Berlim. Lembrou que, no caso em tela, faltaram o juiz natural e também o promotor natural.
O voto mais forte
O voto de Gilmar Mendes foi demolidor. Desenhou como a Lava Jato tirou Lula da eleição de 2018 e ajudou Bolsonaro a vencer. Mostrou que a Lava Jato corrompeu a lei processual penal. Classificou a operação, na qual chegou a ver méritos, como o maior escândalo da Justiça brasileira. Narrou a atuação de uma organização criminosa, com chefe e tudo. Boa parte da imprensa saiu mal na foto do episódio. Gilmar falou em "cumplicidade" do jornalismo.
Gilmar disse que o estado de direito foi eliminado no Brasil para tirar Lula da eleição de 2018. Tem razão. No caso do ex-presidente Lula, goste-se dele ou não, houve uma trama arquitetada por Moro e procuradores na qual era impossível a absolvição do réu desde a largada, algo comum em regimes autoritários, não em democracias. Essa situação se repetiu com outros personagens, que também poderão tentar questionar ações de Moro em relação a eles. Foi Moro e sua turma que puxaram o gatilho contra a Lava Jato.
O conjunto da obra
Moro se tornou tóxico para o combate à corrupção. Merece ser responsabilizado pelo conjunto de sua obra para evitar que o autoritarismo judicial avance no país e corrompa a democracia.
Moro e cia. mudaram a história do Brasil. Tiraram o líder das pesquisas da disputa presidencial de 2018. Pavimentaram a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder. Moro topou ser ministro do beneficiário direto de sua decisão de primeira instância, que depois foi confirmada no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), instância que carimbou a jato tudo o que vinha de Curitiba. Tentaram criar um Ministério Público do B e viraram ombudsman do Congresso e do Supremo.
A Lava Jato destruiu o setor de engenharia e petroquímica do Brasil. Dizimou empregos de alto valor e desorganizou cadeias produtivas, agravando a crise econômica do país. Moro quis destruir provas da Operação Spoofing, a que pegou as conversas no Telegram entre Moro e procuradores da República.
Atualmente, o ex-juiz está empregado na companhia americana que cuida da tentativa de recuperação de empreiteiras brasileiras atingidas por decisões do então juiz federal. Quem diz ter apreço pela democracia não pode aceitar isso. Pega mal ficar falando em "polarização", fazendo nova falsa equivalência entre petismo e bolsonarismo.
Num país com regras democráticas que não queira se transformar numa república de bananas, o respeito ao direito é um princípio civilizatório fundamental. A lei processual penal boa deve valer para você e para o seu inimigo do mesmo jeito.
Nesse contexto, mais do que analisar a suspeição de Moro, é preciso, em algum momento, responsabilizar civil e penalmente o ex-juiz, Dallagnol e demais procuradores e delegados federais pelos crimes que cometeram quando, como agentes do Estado, deveriam ter feito justiça de modo imparcial. Dallagnol, por exemplo, já deveria ter sido exonerado a bem do serviço do público. Desembargadores do TRF-4 precisarão dar explicações sobre conivência com corrupção do processo judicial.
Fora disso, é jogar na arena do obscurantismo na qual Bolsonaro nada de braçada. Hoje, Nunes Marques deu uma ajuda ao presidente de plantão.
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