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Kennedy Alencar

REPORTAGEM

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Aliança forte e lealdade pesam mais para vice de Lula do que aceno ao PIB

Colunista do UOL

04/06/2021 14h16

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Fazer aliança com um partido forte e ter um companheiro de chapa leal pesarão mais na escolha do candidato a vice-presidente do que optar por um nome que sinalize moderação econômica ao empresariado e ao mercado financeiro. Assim pensa o ex-presidente Lula, virtual candidato do PT ao Palácio do Planalto em 2022.

Lula não escolheu um vice. Esse debate ainda é incipiente na cabeça dele. Há mais especulação de petistas sobre nomes do que articulações em andamento para fechar a chapa que o partido apresentará em outubro do ano que vem.

No entanto, Lula já amadureceu alguns critérios para formar a chapa. O primeiro é que o vice não será do PT, como aconteceu em 2018 quando ele se lançou candidato com o ex-ministro Fernando Haddad como número dois.

Na última eleição, o PT viveu o auge do isolamento político. Quando o partido anunciou Haddad como vice em agosto de 2018, Lula estava preso na Polícia Federal em Curitiba. Haddad era um plano B caso a candidatura de Lula fosse inviabilizada, o que aconteceu por decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Para 2022, o cenário é outro. Lula decidiu que precisa ter um vice que não seja do PT e que pertença a um partido que amplie alianças e possa formar palanques estaduais mais fortes. Ele acredita que o PT só deva lançar candidatos a governador em estados nos quais tiver chance de vencer. Do contrário, deve preferir alianças que reforcem a candidatura nacional e o projeto de fazer bancadas maiores no Senado e na Câmara dos Deputados.

O PC do B, um aliado tradicional, tem menos chance de compor a chapa presidencial em 2022. Manuela D'Ávila, que é do PC do B, ficou numa espécie de reserva para ser vice de Haddad em 2018, o que acabou ocorrendo.

PSB e PC do B

Um vice do PC do B não está descartado, mas, no ano que vem, o ideal seria um companheiro de chapa de um partido de maior peso político, como o PSB.

Seria melhor ainda se o PSB e o PC do B se fundissem numa só legenda (Socialistas), mas essa é uma operação que tem certos graus de dificuldade. Lula, entretanto, ainda acha possível ocorrer a fusão diante dos critérios mais rígidos de cláusula de barreira nas próximas eleições.

Nos últimos meses, cresceram articulações para que Flávio Dino, governador do Maranhão e estrela do PC do B, e Marcelo Freixo, deputado federal do PSOL que deverá disputar o governo do Rio, filiem-se ao PSB.

O ex-juiz federal Flávio Dino, por exemplo, é visto por Lula como um nome que sinalizaria respeitabilidade jurídica e lealdade política com companheiro de chapa.

Gato escaldado

Diante da experiência da aliança com o PMDB em 2010 e 2014, que terminou no golpe parlamentar de 2016 que levou Michel Temer ao poder, Lula deseja um vice à prova de conspiração. Temer virou companheiro de chapa de Dilma com aval direto de Lula.

Nos cenários que o ex-presidente traça, ele considera que um vice do Estado de Minas Gerais seria uma boa, mas há dificuldade para achar nomes que preencham os dois critérios anteriores (aliança com um grande partido e fidelidade política) no quarto maior colégio eleitoral do país.

O mineiro Josué Gomes, filho de José Alencar, que foi vice de Lula nas eleições de 2002 e 2006, foi aventado para ser companheiro de chapa do petista em 2018.

Mas Josué é candidato à presidência da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) em chapa única na eleição prevista para 5 de julho. Não parece ser uma decisão fácil trocar a presidência da Fiesp por um projeto político. Tal operação teria complicadores partidários e pessoais, diante da conquista da presidência de uma das maiores entidades empresariais do país.

Um fator de maior peso em 2022 do que em 2002 é a avaliação de Lula de que não precisa mais dar mais sinais de moderação econômica.

Há 20 anos, o petista vinha de três derrotas eleitorais seguidas (1989, 1994 e 1998). Era importante sinalizar para o empresariado e o mercado financeiro que um governo do PT seria responsável na economia. Naquele ano, a escolha de José Alencar, então no PL, caiu uma como uma luva.

Além de agregar à aliança um partido conservador, José Alencar era um nome de Minas e um grande empresário respeitado nacionalmente. Lula e Alencar ficaram realmente muito amigos. O vice nunca conspirou contra o presidente.

Hoje, o governo real feito por Lula entre 2003 e 2010 seria a sua melhor credencial perante o PIB e investidores estrangeiros. O ex-presidente não pretende fazer encontros na Faria Lima em 2022. Está mais preocupado em apresentar propostas para reconstruir um país destruído por Bolsonaro.

Moderado pra valer

Lula tem demonstrado verdadeira moderação ao abordar temas da economia e da política. Esse figurino paz e amor com atenção ainda maior ao lado social não é mero cálculo político para se fazer palatável aos conservadores a fim de realizar um governo radical.

Se voltar ao poder, Lula certamente fará um governo mais à esquerda do que os anteriores, mas não será uma administração radical. Ele acha que, nos EUA, o presidente Joe Biden está fazendo algo parecido em relação a Barack Obama. Ou seja, indo além de Obama, mas com cuidado.

Lula tem elogiado o presidente americano e buscado conhecer melhor as suas políticas públicas. No seu plano de governo, além de propostas de emprego e crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), o petista pretende dar mais espaço a questões ambientais e aos movimentos sociais que vêm sofrendo com o governo Bolsonaro.

Lula acredita que a sua eventual nova gestão será comparada com os resultados que apresentou nos oito anos em que governou o Brasil. O sarrafo é alto. Ele deixou o Palácio do Planalto com popularidade recorde nas pesquisas. A capacidade de dialogar com amplos setores foi um dos segredos do seu sucesso como presidente.

Lula está retomando conversas com empresários e políticos que se afastaram nos últimos anos. Está feliz com o reencontro no início de maio com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um ato que teve grande repercussão política. Deverá se reunir em breve com a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy, que rompeu com o PT no governo Dilma. O petista tem sinalizado interesse em reforçar laços com militares legalistas.

Um Brasil pós-Bolsonaro exigirá mais construção de pontes do que eventuais acertos de contas com os responsáveis por mágoas que o ex-presidente carrega no seu foro íntimo.

A decisão de não entrar num jogo de troca de ataques com o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) são evidências de que Lula está seguro a respeito de suas chances de voltar ao poder. Não quer gastar munição à toa. Ele acredita que vai ganhar a próxima eleição.

O ex-presidente não vê espaço para uma terceira via. Avalia que a estratégia de Ciro dará com os burros n'água. E crê que a disputa dura será mesmo contra Bolsonaro, que recorre a fake news e agressões de baixo calão como método político.

Depois de 580 dias preso em Curitiba, o ex-presidente vive uma fase feliz na vida pessoal com a namorada Rosângela da Silva, a Janja. Com 75 anos, goza de boa saúde. Lula tem feito exames médicos preventivos e exercícios físicos com regularidade para enfrentar o jogo pesado que ainda vai esquentar. Não será uma eleição fácil, ele sabe disso.