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Leonardo Sakamoto

Governo muda escolha de reitores por baixa adesão ao Future-se, diz Haddad

O presidente Jair Bolsonaro, seu vice, Hamilton Mourão, e o ministro da Educação, Abraham Weintraub - Marcos Corrêa/Divulgação/Presidência da República
O presidente Jair Bolsonaro, seu vice, Hamilton Mourão, e o ministro da Educação, Abraham Weintraub Imagem: Marcos Corrêa/Divulgação/Presidência da República

Colunista do UOL

26/12/2019 13h19

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"O governo deve ter ficado frustrado com a baixa adesão ao programa Future-se. Viu que por bem, ele não vai. Então, vai na porrada, com a interferência na escolha dos reitores." A análise é do ex-ministro da Educação do governo Lula e candidato à Presidência pelo PT, Fernando Haddad.

Ele criticou, ao UOL, a medida provisória editada pelo presidente da República, nesta terça (24), que altera as regras para a escolha dos reitores de universidades e institutos federais. "Bolsonaro tem uma visão de educação com viés autoritário. E isso se traduz em interferência na autonomia das universidades."

A proposta exclui a possibilidade de consulta paritária à comunidade acadêmica, estipulando que o peso do voto dos professores seja de 70%, enquanto estudantes e funcionário ficariam com 15% cada. Apesar de haver regras balizando as eleições, muitas universidades realizam consultas com o mesmo peso para as três categorias, entregando uma lista tríplice por ordem de votação para a decisão do governo.

De 2003 até o ano passado, o Poder Executivo apenas referendava a vontade da comunidade, mas Bolsonaro rompeu essa tradição. Ao longo de 2019, em quase metade dos casos, ignorou o mais votado, como ocorreu na Universidade Federal do Ceará.

Lançado pelo governo federal em julho, o programa Future-se propõe que as universidades públicas captem recursos próprios para aumentar seu orçamento e entreguem a gestão a organizações sociais (OSs), contratando professores em regime CLT e não concurso público.

Reitores não são contra a captação complementar no setor privado, inclusive isso já ocorre em universidades através de fundações a elas ligadas. Mas temem que o programa traga perda de autonomia, sujeição de pesquisas apenas aos interesses do mercado e redução de transferências de recursos públicos. A adesão das instituições é voluntária, mas a maioria decidiu ficar de fora.

"A MP é um retrocesso. As universidades federais foram aplicando a regra constitucional da autonomia segundo seus próprios critérios. E isso foi sendo absorvido pelo Poder Executivo de 1988 para cá. As universidades passaram, elas próprias, a definir como escolhem seu dirigente máximo", afirma Haddad.

A Constituição Federal garante autonomia às universidades em seu artigo 207.

Ele questiona a urgência e relevância de propor essa matéria através de uma MP. "É um atentado e é inconstitucional", afirma. Medias provisórias passam a valer imediatamente após editadas pela Presidência da República e o Congresso tem 120 dias para transformá-las em lei - ou perdem a efetividade.

"Isso não discutido por nenhum fórum de educadores ou reitores, comunidade acadêmica. E medida vai na contramão da liberdade das universidades em escolherem seus dirigentes. Conselhos universitários em todo o mundo seguem regras diversas, como eleição direta, eleição por seguimento até comitê de busca. A tendência é no sentido de ampliar a democracia e não reduzir, dar mais liberdade e não menos."

O ex-ministro acredita que não há relação de causa e efeito entre a mudança nas regras para escolha de reitores e as manifestações de estudantes, professores e funcionários de universidades que tomaram as ruas em após o governo cortar parte do orçamento da área. "Não é vingança porque Bolsonaro tinha isso na cabeça muito antes das manifestações. É um projeto anterior."

Para Haddad, a intervenção é fundamental para a guerra cultural do governo. "A ideia de nação no Brasil é muito fruto das dinâmicas das universidades públicas. É lá que está boa parte do pensamento nacional, que molda o conceito de nação. Por isso, está transformando essas instituições em campos de batalha."

Reitores e a oposição no Congresso Nacional já afirmaram que a MP é uma tentativa de reduzir a autonomia das instituições e irão se opor a ela.

Abraham Weintraub

O ministro da Educação protagonizou uma saia justa de Natal ao retuitar, nesta quarta (25), uma postagem do youtuber Nando Moura. Ex-bolsonarista, o influenciador chamou o presidente da República de "traidor" por sancionar a implementação do juiz de garantia no pacote anticrime, a despeito da oposição do ministro da Justiça, Sérgio Moro. Depois, apagou e disse que retuitou por um equívoco, mas o estrago já estava feito.

Vale lembrar que, para retuitar, é necessário dar mais de um comando e o próprio aplicativo pergunta se o usuário quer mesmo passar o conteúdo adiante e como.

"É engraçado ele dizer que faz isso sem querer de novo. Há pouco, curtiu uma postagem em que eu havia feito um deboche."

Fernando Haddad refere-se a seu tuíte, de 15 de dezembro deste ano, endossado por Weintraub: "Compreensível. Depois de 28 anos de férias, 'aposentado' aos 33 anos, Bolsonaro relata cansaço extremo e quer diminuir ritmo de agenda", afirmava o texto.

Em agosto, o ministro da Educação havia curtido um tuíte que ameaçava representantes de estudantes. Uma imagem de tacos de baseball cobertos de arame farpado com a frase "Pedindo à UNE voltar ao MEC com badernas, que há DOCINHOS para eles!!!", recebeu sua atenção e deferência. Isso revoltou a União Nacional dos Estudantes.

"É um jeito dele mandar recado", avalia Haddad.