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Leonardo Sakamoto

Ataque de Trump aumenta influência do Irã no Oriente, diz especialista

Foto mostra veículo destruído perto de onde o comboio do general iramiano Qasem Soleimani foi alvo de ataque de drone dos EUA quando deixava o aeroporto de Bagdá, no Iraque - AFP/HO/IRAQI MILITARY
Foto mostra veículo destruído perto de onde o comboio do general iramiano Qasem Soleimani foi alvo de ataque de drone dos EUA quando deixava o aeroporto de Bagdá, no Iraque Imagem: AFP/HO/IRAQI MILITARY

Colunista do UOL

03/01/2020 13h02

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Resumo da notícia

  • Ataque de Trump deve unir o Irã e aumentar sua influência no Oriente Médio, afirma Reginaldo Nasser, especialista sobre conflitos na região
  • Ele rechaça o risco de Terceira Guerra devido ao pragmatismo iraniano, sua capacidade militar inferior e preferência por "guerras por procuração"
  • O que o governo Bolsonaro disser será irrelevante para o governo iraniano, que está preocupado com a Rússia, países europeus e islâmicos
  • Segundo Nasser, o ataque abortou uma nascente Primavera Árabe iraquiana, baseada em manifestações populares por direitos

O ataque dos Estados Unidos a um comboio no aeroporto de Bagdá, no Iraque, que matou, entre outras pessoas, o general Qasem Soleimani, comandante da guarda revolucionária do Irã e um dos principais nomes do país, deve aumentar a influência do governo iraniano tanto internamente quanto no Oriente Médio. "De forma irônica, se a intenção do Trump era sair do Iraque, ele conseguiu. Por que não vai manter influência por lá."

A avaliação é de Reginaldo Nasser, professor livre-docente do curso de Relações Internacionais da PUC-SP. Ele é um dos principais especialistas brasileiros em conflitos no Oriente Médio do Brasil, segurança internacional e terrorismo, com ênfase em revoluções e contrarrevoluções no Oriente Médio.

Nasser rechaça a possibilidade de um conflito global envolvendo o Irã. "Terceira Guerra Mundial não tem sentido. O Irã é um país, independente de quem esteja no governo, que age muito pragmaticamente. Não têm a mínima capacidade de entrar em uma guerra no estilo tradicional, com os EUA, Israel ou com alguma outra grande potência. Sabem disso e, por isso, vão atuar mais naquilo que na Guerra Fria se chamava de "proxy wars", as guerras patrocinadas. Eles mantêm influência na Síria, no Líbano, um pouco na Palestina, no Iraque."

Também afirma que qualquer coisa que diga o Brasil, nesse contexto, será irrelevante. "Países, como o Irã e o Egito, usaram muito a questão da mudança da embaixada brasileira para Jerusalém [anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro] para outros fins. Os governos desses países estão se lixando para os palestinos e estão se lixando para a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém. Provavelmente, algum membro do governo brasileiro dará declaração apoiando os Estados Unidos por estar atacando terroristas. Mas o Irã não olha para o que o Brasil está falando."

E diz que o ataque norte-americano ajuda a por fim em uma nascente Primavera Árabe, nome que se dá a um conjunto de protestos e manifestações populares a partir do fim de 2010, que mudou a cara de parte do mundo islâmico. "Estava acontecendo um movimento no Iraque que lembra a Primavera Árabe. Há três meses, há revolta popular e genuína no país, de setores representativos importantes contra o governo que, até agora, era apoiado pelos EUA e o Irã. Ambos os países estavam com receio de se ver fora de um novo jogo político, pois a grande manifestação popular não queria nem um, nem outro. As revoltas populares, que colocavam em xeque um tipo de governo montado pelos dois países, tendem a ser absorvidas pelo conflito geopolítico."

Leia a entrevista:

O que significa o ataque dos EUA ao comboio que matou o chefe da guarda iraniana?

Acredito que seja o anúncio de uma nova configuração no Oriente Médio. A tensão entre os EUA e o Irã é antiga, passando por governos republicanos e democratas. Mas o que tem de novo é que o presidente Donald Trump ultrapassou a linha vermelha. Com Bush, Obama, houve oportunidades de ataques militares da mesma forma que foi feito neste momento, atingindo figuras importantes do Irã. Mas não fizeram, pois sabiam quais as consequências disso. Por mais que tenham problemas com Irã, os EUA não chegavam a esse ponto. A menos que isso tenha sido um erro -não podemos retirar a hipótese. Erro no seguinte sentido: um ataque ao aeroporto, pensando que havia algumas figuras importantes do Hezbollah, algumas figuras xiitas iraquianas ou alguma figura do Irã, mas sem saber que lá estava o número 1 da guarda revolucionária. De qualquer forma, isso vai causar mais instabilidade regional. E o Irã tende a aumentar a influência, um efeito contrário - se era isso que o Trump almejava.

Parte do mundo islâmico terá um comportamento reativo ao ataque norte-americano?

Sem dúvida. Uma jornalista iraniana entrevistou políticos considerados críticos ao governo do país. Inclusive, nos últimos meses, esses políticos apoiaram protestos que lá ocorreram, com vários mortos e uma repressão brutal. Esses políticos agora, obviamente, estão contra os Estados Unidos. Porque assassinou um militar que não se metia em questões domésticas, que era low profile [que atua nos bastidores e não chama a atenção]. Esses moderados críticos ao governo estão contra o ataque, ou seja, criou-se uma unidade política maior no Irã. A mesma coisa no Iraque. Com o Iraque dividido, neste momento, ninguém vai apoiar os Estados Unidos. Essa questão também serve para o Líbano, o país está em uma situação muito complicada. Um ataque desses, que atinge aliados do Hezbollah vai complicar a situação local.

Para além do aumento do preço do petróleo e outros impactos econômicos, quais os riscos de contaminação política para fora do Oriente Médio? Após o ataque a hashtag "Terceira Guerra Mundial" alcançou os primeiros lugares entre os assuntos mais falados no Twitter.

Terceira Guerra Mundial não tem sentido. O Irã é um país, independente de quem esteja no governo, que age muito pragmaticamente. Se você observar no médio e no longo prazo, o Irã vem crescendo em influência no Oriente Médio nos últimos 15, 20 anos. Economicamente, politicamente. E não se mete diretamente em conflitos em outros lugares. Eles atuam muito mais para apoiar grupos a fim de manter governos. Ele apoia o Hezbollah, que mantém o governo do Líbano, gostando-se ou não do Hezbollah- por quem não tenho a mínima simpatia. Eles estão ajudando a manter o governo do Iraque, por quem também não tenho a mínima simpatia. Eles trabalham com a ideia de estabilização de governos aliados.

Mas não têm a mínima capacidade de entrar em uma guerra no estilo tradicional, com os EUA, Israel ou com alguma outra grande potência. Sabem disso e, por isso, vão atuar mais naquilo que na Guerra Fria se chamava de "proxy wars", as guerras patrocinadas. Lembrando que eles mantêm influência na Síria, no Líbano, um pouco na Palestina, no Iraque... Toda a região, que já estava sob sua influência, vai garantir ainda mais aliados. Não porque concordam com ele, mas por rejeitarem o invasor. Não tem a mínima possibilidade de ficar falando da Terceira Guerra. Eles estão muito abaixo do potencial militar de outras grandes potências.

O Brasil, desde o começo do governo Bolsonaro, busca um alinhamento com os Estados Unidos. Como fica o país com isso?

Discordo de muitos analistas nesse sentido. Países, como o Irã e o Egito, usaram muito a questão da mudança da embaixada brasileira para Jerusalém [anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro] para outros fins. Os governos desses países estão se lixando para os palestinos e estão se lixando para a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém. Os governos islâmicos usam a causa palestina, mas na hora em que é preciso, fazem seus acordos muito pragmaticamente. Do lado do Irã, não tem problema nenhum. Do nosso lado, vai saber... Provavelmente, algum membro do governo brasileiro dará declaração apoiando os Estados Unidos por estar atacando terroristas. Mas o Irã não olha para o que o Brasil está falando. Agora o jogo é no Grande Oriente Médio, o Brasil é muito pequeno para isso. Temos que prestar atenção agora principalmente na Rússia e nos aliados europeus dos Estados Unidos - que, até o momento, estão pedindo moderação, sem apoiar abertamente Trump.

Qual o impacto do ataque sobre as manifestações que ocorriam no Iraque, reivindicando direitos?

Estava acontecendo um movimento no Iraque que lembra a Primavera Árabe. Há três meses, há revolta popular e genuína no país, de setores representativos importantes. Contra quem? O governo que, até agora, era apoiado pelos EUA e o Irã. Nessas revoltas, havia sunitas e xiitas juntas, mostrando que não havia sectarismo. Essas manifestações foram reprimidas violentamente pelo governo, com o apoio do Irã. Entendo que tanto o Irã quanto os EUA estavam com receio de se ver fora de um novo jogo político, pois a grande manifestação popular não queria nem um, nem outro. As revoltas populares, que colocavam em xeque um tipo de governo montado pelos dois países, tendem a ser absorvidas pelo conflito geopolítico. Com o assassinato do general, isso acabou.

O ataque dos EUA põe fim, então, a uma possível Primavera Árabe do Iraque?

Não tenho dúvida nenhuma. Nesse momento, não há mais clima para ter uma revolta contra o Estado iraquiano. Tudo o que se fizer, vai-se dizer que foi a favor dos EUA. Mas as revoltas populares no Oriente Médio são importantes, não são religiosas, nem sectárias. Pela presença forte de potências regionais e grandes potências, elas são superadas pelos conflitos geopolíticos.

Isso interessa ao Irã?

Fortalece o Irã. Politicamente, ninguém vai dizer que gostaria que tivesse morrido esse general, que era muito popular, visto como um herói. A consequência independentemente da intenção é essa: o Irã vai acabar dominando governo do Iraque. De forma irônica, se a intenção do Trump era sair do Iraque, ele conseguiu. Por que não vai manter influência por lá, seria muito difícil. Por que serão xiitas, sunitas, todos contra os Estados Unidos, um invasor que bombardeia o país. Não há mais clima para um movimento mais a esquerda, de reivindicações populares, em meio a um contexto da luta entre grandes. O Irã, politicamente, vai estar mais fortalecido, internamente, externamente. Com exceção de Arábia Saudita e Israel, quem é que vai concordar com esse ataque dos EUA? Os países ficariam mal com sua população. Mas não há mais clima para essas mobilizações. Veja a Síria, começou com essas manifestações populares e foi para a guerra civil. Guerra acaba com mobilização, não tem jeito. E o Oriente Médio segue um barril de pólvora.