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Leonardo Sakamoto

Secretário da Cultura de Bolsonaro convida a chamarmos o governo de nazista

O presidente Jair Bolsonaro acompanhado dos secretários Jorge Seif (Pesca) e Roberto Alvim (Cultura) - Reprodução/Facebook
O presidente Jair Bolsonaro acompanhado dos secretários Jorge Seif (Pesca) e Roberto Alvim (Cultura) Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

17/01/2020 09h14

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Toma-se todo o cuidado para evitar comparar comportamentos do governo Jair Bolsonaro com práticas adotadas pelo regime nazista de Adolf Hitler. Jornalistas e historiadores, por mais que cocem as mãos diante de fatos e processos similares, sabem que há um abismo intransponível de distância entre ambos.

Existe até um nome para o uso dessa comparação: "Reductio ad Hitlerum", ou seja, a redução de uma argumentação a Hitler e os nazistas. Como há poucas coisas tão ruins na história da humanidade como esse, comparar alguém a ele é tentar desqualificar pura e simplesmente quando faltam argumentos. Por isso, é visto como uma falácia.

A expressão do filósofo político Leo Strauss tem uso tão frequente em debates que o advogado norte-americano Mike Godwin criou uma "lei" sarcástica para isso: "à medida que uma discussão on-line se alonga, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou os nazistas tende a 100%".

Mas, nesta quinta (16), o secretário da Cultura de Jair Bolsonaro, o dramaturgo Roberto Alvim, legitimou comparações que se evitava fazer com o governo federal quanto aos seus surtos autoritários e fascistas ao copiar um discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista, em um vídeo gravado por ele para falar de um programa de apoio às artes.

Pior: também copiou a estética de Goebbels, a aparência, as palavras escolhidas, o tom de voz, a trilha sonora. O plágio foi primeiro notado pelo site Jornalistas Livres.

"A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada", disse o ministro de Hitler em discurso para diretores de teatro, segundo o livro "Goebbels: a Biography", de Peter Longerich.

"A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada", afirmou Roberto Alvim.

Após visitar o Memorial do Holocausto, em Israel, em abril, Jair Bolsonaro afirmou que o nazismo foi um movimento de esquerda. Alinhava-se ao seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e ao guru de ambos, Olavo de Carvalho, mas batia de frente com a posição expressa por pesquisas do próprio Memorial, pelo governo da Alemanha (que viu o nazismo nascer) e pela esmagadora maioria dos historiadores em todo o mundo, que tratam do assunto praticamente como consenso.

Aliás, em 2018, a Embaixada da Alemanha em Brasília foi chamada de comunista nas redes sociais por ela ter postado um vídeo explicando que o nazismo é um movimento de extrema-direita. Se não bastasse isso, nossos conterrâneos foram além, tentando explicar aos alemães que eles não entendiam muito bem do tema.

Roberto Alvim pode até se justificar, dizendo que isso não passou de uma "performance" artística para causar incômodo, a fim de reduzir o estrago. Isso se tiver coragem de assumir o que fez.

Ele prestou, contudo, dois favores. Primeiro, devolveu o nazismo ao seu lugar de direito, ou seja, junto a governos de extrema-direita.

E ajudou o governo a sair do armário. Já que um alto funcionário de Bolsonaro abraça a ética e a estética nazista, a população do Brasil e do mundo pode chamar o governo por aquilo que alguns de seus membros almejam que ele seja.