"Gripezinha": Menosprezo de Bolsonaro por coronavírus o tornou cúmplice
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Jair Bolsonaro que vem, sistematicamente, menosprezando a Covid-19, chamou a pandemia de "gripezinha" nesta sexta (20).
"Depois da facada, não vai ser gripezinha que vai me derrubar, não, talkey? Se o médico ou o Ministério da Saúde recomendar um novo exame, eu farei. Caso contrário me comportarei como qualquer um de vocês aqui presente", afirmou.
A forma pela qual trata o vírus que está matando milhares de pessoas em todo o mundo e levando a economia global a uma recessão, ao menos, é coerente. Ele já o chamou de "fantasia", "não é isso tudo o que dizem", "histeria", "superdimensionado".
Você que está lendo este texto: caso seu pai ou sua mãe, irmão ou avó venham a morrer após ter contraído o coronavírus ou se mesmo você acabar ficando com sequelas, por toda a vida, devido a danos da doença em seus pulmões, saiba que um dos responsáveis por isso será o presidente da República. Ou melhor, sua incompetência atávica, sua desconexão com a realidade, seu egoísmo estrutural.
O Brasil demorou muito para começar a desenvolver um plano a fim de atender os trabalhadores pobres e desempregados, que sofrerão mais com a pandemia. Ainda hoje, ainda não o tem por completo - o ministro Paulo Guedes vai desenvolvendo-o, na frente de todos, soltando o que consegue e corrigindo falhas no dia seguinte. Da mesma forma, demorou para o governo ir atrás dos recursos que o necessário, mas sucateado, Sistema Único de Saúde precisava para se preparar. Isso sem contar que a contenção de gastos em nome do ajuste fiscal, mantra desta gestão, fragilizou ainda mais o SUS.
E, principalmente, o presidente é corresponsável pelo que vier acontecer a todos nós por insistir em mostrar ao país, através de seus maus exemplos, que as regras de isolamento social contra o vírus eram para serem descumpridas. Quem acha isso bobagem não tem ideia do impacto de um líder com comportamento disfuncional em parte dos brasileiros.
Bolsonaro pensa apenas em sua sobrevivência política e na de seu clã. Na coletiva à imprensa da última quarta (18), foi patética sua tentativa de fazer a sociedade acreditar que ele é "timoneiro" do combate à crise - no máximo, capitão dos ataques a opositores e jornalistas nas redes sociais. Chegou ao ponto de reivindicar que a mídia cobrisse "panelaços a seu favor", quando poderia ter agido como um chefe de Estado e tranquilizado a população.
Após a confirmação do 22º caso de membro de sua comitiva aos Estados Unidos que foi infectado por coronavírus, ele passou esta sexta sendo pressionado a mostrar o resultado de seus dois exames que, segundo ele, deram negativo. A necessidade dessa cobrança indica o quanto lhe falta a percepção do princípio da transparência na administração pública. Ele pensa que o Estado é ele, e entende bem de absolutismo, apesar de não fazer ideia de quem era Luís 14.
Não desejo o presidente doente, de forma alguma. Desejo que ele se coloque à altura do cargo. Ou melhor, desejaria - se isso fosse possível.
Pois suas ações tem contribuído para a impressão de que uma pandemia mortal é mais uma onda de gripe de inverno. Até agora, essa "fantasia" já matou 11 pessoas e infectou, pelo menos, outras mil por aqui. Mas nem começou a dar os primeiros passos.
O presidente vai continuar agindo como inimputável, dia após dia, porque não há instituições capazes de conter sua irresponsabilidade. Ou dispostas a isso. Por outro lado, há quem reconheça nele esse inimputável e sugira deixar o barco correr, ignorando-o. O problema dessa opção é que há um naco de, ao menos, 12%, segundo pesquisas de opinião, que copia tudo o que faz e acredita em tudo o que diz. Esse número é grande o bastante para tornar sem efeito qualquer tentativa de conter a pandemia.
Em momentos de calamidade pública, um país precisa de pessoas com a estatura técnica, moral e política do desafio a ser enfrentado. Bolsonaro é, portanto, a pessoa errada na hora errada - e vamos todos pagar o preço dessa escolha.
Por conta do seu menosprezo e de sua displicência, o presidente deveria ser obrigado a enterrar cada vítima da pandemia. Talvez, assim, aprendesse a dar valor à vida humana.