O dilema de Bolsonaro: se correr, Mandetta pega; se ficar, Mandetta come
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"Vai, me demite." Em entrevista ao Fantástico, neste domingo (12), o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não disse essa frase. Mas provocou o presidente Jair Bolsonaro em tantos aspectos que nem era necessário dizer. Ela estava lá. Bem como a sinuca de bico em que o Palácio do Planalto está metido neste momento.
Mandetta disse que o país vive uma situação esquizofrênica, na qual o chefe da pasta da Saúde defende uma coisa sobre o enfrentamento ao coronavírus e o chefe da nação, outra.
Criticou, sem citar nomes, tanto a visita que o presidente fez a uma padaria em Brasília, em meio à proibição de aglomerações, quanto a teoria da conspiração de que o coronavírus é uma arma chinesa - divulgada por Abraham Weintraub, ministro da Educação.
Afirmou que o pior ainda está por vir em maio e junho, enquanto Bolsonaro prometeu, no mesmo domingo, em uma live a líderes religiosos, que a pandemia estava começando a ir embora.
A cereja do bolo foi a entrevista ter sido dada para a Rede Globo (que Bolsonaro trata como a encarnação do Tinhoso), a partir do palácio de onde Ronaldo Caiado governa Goiás. Aliado de Mandetta e médico, ele rompeu com o presidente exatamente por conta do menosprezo por medidas de prevenção ao coronavírus.
Se continuar no cargo após o episódio, o ministro sai fortalecido, mostrando que o presidente não apita mais nas decisões centrais do combate à pandemia. Nesse cenário, caberá a Bolsonaro continuar apostando no papel de sabotador-geral da República, insistindo no fim das medidas de isolamento social e torcendo para que a letalidade da doença seja menor do que o esperado.
Se for demitido, também deve sair por cima. Como ele mesmo disse, as comunidades científica e médica esperam um salto no número de infectados e de mortos por Covid-19 entre abril e maio. Mandetta não precisará dizer que a contagem de corpos explodiu após a sua saída, pois o presidente será lembrado diariamente disso - mesmo que não haja uma relação de causa e efeito entre elas.
De acordo com a última pesquisa Datafolha, o presidente tem 33% de aprovação e 40% acreditam que ele mais ajuda que atrapalha. Ao mesmo tempo, 76% afirmam que o ministro da Saúde vem fazendo a coisa certa. Parte da aprovação da condução do presidente na crise passa por ter um ministro que vem sendo reconhecido como diligente. Como ficam as taxas de aprovação com uma mudança brusca?
Bolsonaro pode engolir o orgulho e fazer de conta que nada aconteceu, continuando com uma deprimente guerra pública de declarações com Mandetta. Mas isso não deixa de ser humilhante para quem, a todo o momento, gosta de dizer que é ele quem manda, que não está sendo tutelado pelos militares, que é o técnico de um time que o respeita. Ou pode demiti-lo e, depois, arcar com as consequências de seus atos - coisa que será uma novidade para ele.
Vale lembrar que o ministro também demorou a agir quando a crise despontou no horizonte. E, como qualquer outro, ele é substituível. O temor de quem tem apreço pela vida humana, contudo, é de que um negacionista possa ser colocado no lugar pelo presidente.
A certeza é que o Gabinete do Ódio vai trabalhar bastante nesta segunda. Para produzir fogo amigo.