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Leonardo Sakamoto

Inquérito de Aras contra Bolsonaro também pode ser usado para punir Moro

Augusto Aras é cumprimentado por Jair Bolsonaro no dia da posse, observado por Sérgio Moro - Foto: José Cruz/Agência Brasil
Augusto Aras é cumprimentado por Jair Bolsonaro no dia da posse, observado por Sérgio Moro Imagem: Foto: José Cruz/Agência Brasil

Colunista do UOL

24/04/2020 19h18

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O pedido de abertura de inquérito sobre as acusações feitas por Sergio Moro contra Jair Bolsonaro, de interferência nas ações da Polícia Federal, envolve tanto o presidente da República quanto o, agora, ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública. Ou seja, Moro também será investigado através dele e pode ser punido.

No documento enviado ao Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, Augusto Aras, avalia a tipificação dos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução da Justiça e corrupção passiva privilegiada.

Mas também denunciação caluniosa e crimes contra a honra.

Se os seis primeiros dizem respeito a práticas que teriam sido cometidas por Jair Bolsonaro, segundo a avaliação de Aras do pronunciamento de Moro, as duas últimas dizem respeito a delitos que - para Aras - podem ter sido praticados pelo ex-ministro - caso ele não comprove em juízo as acusações.

"Indica-se, como diligência inicial, a oitiva de Sérgio Fernando Moro, a fim de que apresente manifestação detalhada sobre os termos do pronunciamento, com a exibição de documentação idônea que eventualmente possua acerca dos eventos em questão", afirma a peça da PGR.

Procuradores do Ministério Público Federal ouvidos pela coluna afirmam que, com a inclusão da denunciação caluniosa, Aras trouxe uma novidade. O, agora, ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública não pediu instauração de nenhum inquérito. Mesmo assim a instauração do inquérito por Aras pode ser usada contra ele.

"Ele deu uma no prego e outra na ferradura. Não é comum colocar a possibilidade de punição do denunciante no mesmo despacho. Se, no curso do inquérito, descobrir-se que aquilo era falso, abre-se um processo a posteriori. Parece que ele queria agradar alguém com isso", afirma uma fonte na Procuradoria-Geral da República que conversou com a coluna.

Aras estaria vendendo duas versões. Uma para a sociedade e o Supremo e outra para a Presidência da República. Com isso, venderia a imagem de não ser tão alinhado a Bolsonaro, quanto tem sido acusado. E, por outro, mandaria um recado ao presidente, mostrando que Moro pode ser punido.

"Hoje, Aras deve ser uma das pessoas mais felizes da República. Ele viu o principal concorrente a uma cadeira do STF [Moro] ir embora. Agora, a disputa é com o André Mendonça, advogado-geral da União", afirma outra fonte na PGR. Em novembro, o ministro Celso de Mello se aposenta e Bolsonaro poderá indicar alguém para a vaga.

De acordo com os procuradores ouvidos pela coluna, o caminho que Aras vai seguir depende da fragilidade ou não que Bolsonaro demonstrar. Se ele perceber que o governo vai naufragar, não investiga Moro. Se entender que o governo resiste, e com força no Parlamento, ele dá peso à denunciação caluniosa.

Tudo depende também das provas que Bolsonaro e Moro apresentarem. Tanto era a falta de confiança que fontes próximas de ambos afirmar que eles contavam com gravações de conversas um do outro. A revelação de todo esse material, no curso do processo, seria vantajosa para a República.

O procurador-geral da República tem sido acusado de agir a favor de Bolsonaro por colegas do Ministério Público Federal - seja arquivando notícias-crime contra o presidente por seu comportamento contra o isolamento social, seja por orientar o governo que envie as demandas de outros procuradores a ele durante a pandemia - o que foi visto como uma tentativa de proteger Bolsonaro.

Aras foi escolhido pelo presidente fora da lista tríplice de procuradores, que é resultado de eleição pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).