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Leonardo Sakamoto

Sem ministro da Saúde ou presidente, Brasil registra 1.179 mortes em 24h

27.abr.2020 - Jair Bolsonaro sorri na rampa do Palácio do Planalto - GABRIELA BILó/ESTADÃO CONTEÚDO
27.abr.2020 - Jair Bolsonaro sorri na rampa do Palácio do Planalto Imagem: GABRIELA BILó/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

19/05/2020 21h28

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Ultrapassamos uma marca vergonhosa, nesta terça (19), com mais de mil mortes registradas em um único dia por complicações causadas pelo coronavírus. Para ser mais exato, 1.179. E sem um ministro da Saúde titular. Ou alguém que seja capaz de agir como presidente da República.

O UOL calculou que isso significa um óbito a cada 73 segundos. Se isso não te sensibiliza, o número é mais do que quatro vezes a soma de mortos (259) e desaparecidos (11) da catástrofe da Vale, em Brumadinho (MG), ocorrida no ano passado, pela qual lamentamos até hoje.

E se isso ainda não te comove, lembre-se que alguém como você perdeu mãe, filho, tia, primo, amiga, avô, neta ou namorado. E, portanto, levará para toda a vida a lembrança de que sua pessoa querida morreu, muito provavelmente afogada em líquido dos próprios pulmões, agonizando sozinha em uma UTI (quando teve a sorte de conseguir um leito e um respirador), sem direito a velório, com enterro de caixão lacrado.

Essa doença estúpida poderia matar menos. Mas temos um negacionista egoísta e arrogante na Presidência da República, que convenceu uma parte da população que a covid-19 é uma bobagem. Seus fãs apontam para os mais de mil mortos e dizem que é mentira de governadores inescrupulosos. Miram para covas coletivas abertas por retroescavadeiras em cemitérios e afirmam que os caixões estão sendo enterrados vazios. Compartilham fake news nos grupos de WhatsApp, afirmando que a prova de fraude é que um borracheiro foi registrado como morto por covid-19 quando, na verdade, teria sido atropelado. Na realidade paralela do bolsonarismo, um óbito só é válido se passa pelo crivo da narrativa que ajuda seu líder. Sim, apesar do autoritarismo ainda despontar na esquina, já foi nos roubado o direito de morrer.

Lá do alto da montanha de corpos, o presidente dá a ordem: Não acreditem em nada disso! É apenas histeria, fantasia, resfriadinho, gripezinha! Pela ignorância ou pelo medo, muitos repetem suas palavras e suas ações. E vamos todos, de mãos dadas, sem álcool gel, noite adentro.

Na prática, a barreira dos quatro dígitos já havia sido ultrapassada, uma vez que a estatística traz uma radiografia atrasada e imperfeita, seja pela subnotificação, seja falta de testagem. Com isso, somamos 17.971 até agora. E a curva de óbitos está longe do seu "achatamento". Essa palavra soava estranha há três meses. Hoje, tornou-se uma companheira cuja chegada todos aguardamos ansiosamente.

Ou quase todos. Pois, enquanto choramos nossos mortos, hienas que orbitam Bolsonaro seguem fazendo seu serviço carniceiro. Recentemente, começaram a defender que as pessoas estão se contaminando porque ficam em casa e, portanto, os saudáveis deveriam ir para a rua. Sim, a burrice, quando atinge uma escala cósmica, é desesperadora.

Se o vírus infectou pessoas em uma residência é porque veio de algum lugar, trazido por quem vai à rua. Considerando que o distanciamento social de idosos e pessoas imunodeprimidas é impossível em residências pobres, nas quais vários compartilham do mesmo cômodo, cada vez que alguém "saudável" sair, corre o risco de infectar os que ficam. E ele mesmo se infectar, porque a doença pode matar qualquer um.

Mas não importa. A razão não importa. A ciência não importa. O ridículo não importa. O que importa é garantir que Bolsonaro termine seu mandato e se reeleja, mesmo que isso custe a vida de milhares de brasileiros.

"Agora eu me tornei a morte, a destruidora de mundos." O físico Robert Oppenheimer, diretor do Projeto Manhattan, o programa nuclear norte-americano, lembrou-se dessa citação extraída do livro religioso hindu Bhagavad Gita após o teste de explosão da primeira bomba atômica, em 16 de julho de 1945.

Naquele momento, em que o cogumelo atômico se espreguiçava à frente dos responsáveis pela criação da destruição instantânea, havia um misto de perplexidade e de orgulho.

Diante da destruição que conduz como tática para sua sobrevivência política, Jair nos diz: "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre".

A impressão é que, ao perceber que seu projeto político leva inexoravelmente à morte, não há perplexidade em Bolsonaro. Apenas orgulho.