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Leonardo Sakamoto

Covid: Estratégia de Bolsonaro deu certo e já somos epicentro da pandemia

Colunista do UOL

26/05/2020 22h05

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Uma das razões que alçou o Brasil ao primeiro lugar mundial no número de mortes diárias registradas por covid-19 - 1.039, no Brasil, e 592, nos Estados Unidos, nesta terça (26) - foi a falta de um diálogo honesto do presidente da República com a sociedade. E fomentar o caos, definitivamente, não foi aleatório.

Jair Bolsonaro preferiu negar a pandemia, minimizar seus efeitos e culpar prefeitos e governadores do que planejar a entrada e a saída do país no isolamento social. Ao contrário de outros países, em que presidentes e primeiras-ministras deixaram de lado suas divergências com adversários políticos e pensaram no bem comum, aqui o chefe da nação continuou pensando na melhor forma de manter seu mandato intacto.

Consequentemente, adubada com desinformação por parte do mandatário, parte da população passou a acreditar que o coronavírus não é tudo isso o que dizem, que caixões são enterrados vazios e que a cloroquina resolve tudo. Para quem se guia pela razão, tem sido desesperador.

Vale ressaltar que nos tornamos epicentro global da pandemia mesmo com a subnotificação gritante. Pesquisa da Universidade Federal de Pelotas, que testou uma amostra da população, aponta que o número real de casos nas grandes cidades é sete vezes maior que o oficial. Considerando que são 391.222 infectados, não estamos mais na casa de centenas de milhares, mas na de milhões de doentes.

A Nova Zelândia tem 42 vezes menos habitantes que o Brasil. Lá, a primeira-ministra Jacinda Ardern conseguiu controlar a pandemia em seu país, que contabiliza 1.504 casos e 21 vítimas fatais. Na mesma proporção, o Brasil teria 63,1 mil casos e 882 mortos. Por aqui, temos 24.512 mortos. Oficialmente.

Além das imposições de isolamento social, ela deu entrevistas coletivas diárias, mostrando o que deveria ser feito, por quanto tempo e como a fim de reduzir as infecções. Não negou a ciência, não vendeu nenhum elixir mágico, não disse que morte de idosos fazia parte da vida, não ignorou os desafios da quarentena em suas falas, não demorou em agir. Não bateu na imprensa que estava fazendo o trabalho de informar a sociedade. Não tentou confundir ao invés de explicar. O contrário do que fez o presidente brasileiro.

Se tivesse adotado uma comunicação menos "machão inseguro", e mais franca e direta, baseada em fatos e não em crendices, menos gente teria ido à rua, seguindo seu líder. E, portanto, teríamos menos mortos. Seria lógico, mas não seria Bolsonaro. Lembram-se daquele mimimi de que a covid-19 seria "gripezinha" e "resfriadinho" porque ele é atleta? Pura insegurança de quem precisa se reafirmar o tempo todo.

Considerando que a popularidade de líderes em tempos de "guerra" tende a aumentar, Bolsonaro poderia ter saído maior do que entrou. Mesmo com a crise de desemprego e da economia, poderia encarnar a figura do "líder da reconstrução". Preferiu chamar quem fica em casa de "covarde" e adotar o estilo "eu sou homem, porra!". Agarrou-se não nos 36% que aprovam seu governo, segundo o Datafolha, mas naqueles 15% que o idolatram - aquele naco que encarou o show de horrores do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril como uma live premium do "mito".

Não é aleatório e o governo tem método: transferir responsabilidades e lucrar com ordem ou caos. Se conseguir reabrir a economia antes da hora, pessoas morrem, mas ele ganha o apoio de parte do empresariado e diz que foram as quarentenas (que reduziram a mortalidade) que geraram desemprego, sem muito esforço. Se sistemas de saúde colapsarem por conta de quarentenas bombardeadas por ele, e surgirem saques e protestos pela falta de alimentos, ele abre um nu frontal de autoritarismo para a população.

Na sua lógica, confundir é melhor que explicar. Até porque, se explicar tudo direitinho, não permanece no mandato.