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Leonardo Sakamoto

Aprovação de Bolsonaro na pandemia depende de fãs e da base que foi de Lula

19.05.2020 - Coronavírus: Coveiro no cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus - Lucas Silva/picture alliance via Getty Images
19.05.2020 - Coronavírus: Coveiro no cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus Imagem: Lucas Silva/picture alliance via Getty Images

Colunista do UOL

28/05/2020 21h48

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Jair Bolsonaro tem defendido, em meio ao crescimento de mortes por covid-19, o retorno imediato dos brasileiros ao trabalho. Calculou que a morte de dezenas de milhares não afetará seu governo como o desemprego de milhões. Ainda é cedo para dizer se essa aposta dará certo, até porque, pelo terceiro dia consecutivo, o Brasil registrou mais de mil óbitos diários (1.156, para ser mais exato). Mas uma análise da pesquisa Datafolha, divulgada nesta quinta (28), traz elementos que podem ser usados pelo presidente para acreditar que sua tática pode funcionar.

Consideram que ele está fazendo um governo ótimo ou bom, 31% dos que recebem até dois salários mínimos de renda familiar mensal, 36% dos que ganham mais de 2 e 5 SM, 36% dos recebem mais de 5 e 10 SM e 42% que contam com mais de 10 SM. Enquanto o estrato mais pobre é 55% do país representado na pesquisa, o mais rico é apenas 4% - o que mostra o peso relativos dos seguidores.

Em dezembro de 2019, o Datafolha foi a campo para verificar o apoio do governo após um ano de mandato. Os números para ótimo ou bom eram 22% dos que recebem até dois salários mínimos, seguido de 35%, 44% e 44% para os outros estratos, respectivamente. Logo depois, o coronavírus entrou na pauta.

Bolsonaro experimentou uma queda de nove pontos entre uma pesquisa e outra dentre os que recebem mais de 5 e 10 salários mínimos - grupo com mais acesso à informação e que engrossou a curva de insatisfação contra o presidente por conta de seu comportamento e suas políticas diante da crise. É um grupo com quantidades significativas de funcionários públicos, empregados registrados e pequenos empresários.

Mas experimentou um aumento de nove pontos no grupo de até dois salários mínimos. Uma das hipóteses é que muitas famílias nessa faixa de renda passaram a ter direito ao auxílio emergencial, recebendo R$ 600,00 ou R$ 1200,00 mensais. Uma grande parte delas já ganhava o Bolsa Família e passou a ter o novo valor depositado no cartão, sem precisar fazer requisição. Para efeito de comparação, a maioria recebia, no máximo, R$ 200,00.

Na avaliação geral, Bolsonaro viu sua rejeição subir de 38%, em 27 de abril, para 43%, hoje, mas manteve em 33% sua aprovação da última pesquisa para cá. Em dezembro passado, o total de ótimo e bom estava em 30%.

Novos apoiadores

A pandemia lhe trouxe um novo público. De acordo com Alessandro Janoni e Mauro Paulino, do Datafolha, dos 33 pontos de avaliação positiva do presidente, 11 vem de estratos da população que não votaram em peso nele nas eleições e, agora, recebem o auxílio emergencial. O Datafolha diz que, se dependesse apenas dos seus eleitores originais, sua aprovação seria de 22%.

O secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia havia afirmado, no dia 11 de maio, que o auxílio poderia ser mantido para além do prazo previsto de três meses durante um debate promovido pelo banco BTG Pactual. Logo depois, o Ministério da Economia soltou uma nota afirmando que a renda básica emergencial é temporária.

Mas também disse que a crise trouxe uma "oportunidade para avaliar a efetividade dos programas de transferência de renda e desenhar propostas de melhorias". Não é de hoje que o governo federal quer substituir o Bolsa Família por algo com sua marca própria. Mas Bolsonaro não quer melindrar sua equipe econômica, de perfil ultraliberal.

A coluna havia conversado com o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que afirmou que Bolsonaro está se deteriorando fortemente nas camadas médias da população durante a pandemia e o pagamento da renda básica está segurando sua aprovação. "Se ele cancelar o pagamento, perde esse apoio", disse.

A opinião era compartilhada pelo deputado federal Carlos Zaratini (PT-SP): "Como o governo oferece R$ 600,00 para o povo e depois tira? Se tirar, vai perder popularidade. E é a popularidade dessa camada que está sustentando Bolsonaro. Sem ela, ele vai lá para o chão". Ambos defendem a transformação da renda básica em permanente. Ou seja, eleito com grande apelo nos estratos mais altos da classe média, Bolsonaro está trocando esse público por outro. A elite, apesar de defecções, ainda lhe garante apoio.

Isso pode servir de proteção a seu governo em meio à crise política e institucional - que, diga-se de passagem, ele mesmo criou. Por que 33% de aprovação não são o bastante para um impeachment - nem para um autogolpe.

Bolsonaro quer ser Lula?

Da mesma forma que o apoio das classes populares foi fundamental para a reeleição do então presidente Lula, mesmo com a crise deflagrada pelo chamado Mensalão, pode também ser útil ao atual presidente. Não significa que esse grupo social não se preocupasse com valores como os outros. Contudo, por sentirem que foram, sistematicamente, abandonados e violentados pelo poder público, são bem mais pragmáticos. Ele têm que se preocupar se vão comer.

O deputado federal José Dirceu, ex-homem forte do governo, teve seu mandato como deputado federal cassado pelo plenário no dia 31 de novembro de 2005. Foi o segundo parlamentar expulso por seus colegas da Câmara dos Deputados como desdobramento do Mensalão - o primeiro foi Roberto Jefferson, autor das primeiras denúncias do escândalo.

Agora, Jefferson está novamente envolvido em um novo escândalo, no governo Bolsonaro, alvo de operação da Polícia Federal em meio ao inquérito das fake news. Nesta quinta, pediu um golpe militar nas redes sociais.

Mesmo com a cassação de Dirceu, o Datafolha apontou que Lula contava, em dezembro de 2005, com 28% de ótimo ou bom, 41% de regular e 29% de ruim e péssimo. A economia estava deslanchando e a perspectiva era de crescimento.

Enquanto os que ganhavam mais de 10 salários mínimos atestavam 46% de ruim e péssimo e 18% de ótimo e bom, os quem recebiam até 5 SM (não havia a categoria de até 2 SM) entregavam 28% e 29%, respectivamente. Para ambos, há uma taxa significativa de regular: 34% (mais de 10 SM) e 41% (menos de 5 SM). Manter uma base de sua popularidade entre os mais pobres na crise foi fundamental para a sua retomada na eleição do ano seguinte.

Desemprego e óbitos

A geração de postos formais de trabalho já derrapava antes da crise do coronavírus e, agora, a previsão é de aprofundamento da situação - a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua, divulgada nesta quinta, apontou crescimento do desemprego de 11,2% para 12,6%, somando 12,8 milhões de brasileiros.

Mas o auxílio de renda básica é um diferencial inegável em meio à pandemia e atinge uma população (mais de 46 milhões) muito maior que apenas os que recebem o Bolsa ou os que estavam registrados no cadastro único de programas sociais do governo. Mesmo que o grande responsável por isso seja o Congresso Nacional, o pagamento é capitalizado pelo governo como obra sua.

Bolsonaro acredita que mantendo sua "Fortaleza do Um Terço" até 2022, conseguirá fazer arrancada semelhante à de Lula em direção à reeleição.

(Dentre esses 33%, o bolsonarismo-raiz, os fieis que acreditam em tudo o que fala, representa 16% da população, segundo o Datafolha. Esse grupo defende retorno imediato ao trabalho, não está respeitando o isolamento social e quer cloroquina. São a base da esperança no milagre da multiplicação.)

Há várias diferenças entre os casos, claro. Uma delas, por exemplo, é o total de avaliação regular de Bolsonaro. Já era menor que o ostentado pelo líder petista e está murchando: 22%, hoje, frente a 32% em dezembro de 2019.

É mais fácil convencer quem te considera "ok" a votar em você em período eleitoral do que quem te acha ruim ou péssimo. Bolsonaro terá que torcer para que o apoio dado pelo pragmatismo econômico lhe baste. Para tanto, terá que dar as costas para o receituário liberal e abraçar de vez a renda mínima.

Para tanto, também terá que torcer para que os brasileiros não tenham tantos parentes, amigos e colegas mortos por covid-19. Talvez torça por puro pragmatismo, mais do que por empatia.