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Leonardo Sakamoto

Senador com grana nas nádegas é do Conselho de Ética. O que isso revela?

25.ago.2020 - Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) abraça o senador e então vice-líder do governo Chico Rodrigues durante evento no Palácio do Planalto - Reprodução/Twitter
25.ago.2020 - Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) abraça o senador e então vice-líder do governo Chico Rodrigues durante evento no Palácio do Planalto Imagem: Reprodução/Twitter

Colunista do UOL

17/10/2020 10h12

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É bastante didático que um vice-líder do governo no Senado flagrado com maços de dinheiro escondidos entre suas nádegas durante uma operação da Polícia Federal que investigava desvios de recursos que deveriam ir para o combate à covid seja membro titular do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Isso ensina ao país sobre o significado de suas instituições e o sentido de sua democracia.

Não que o colegiado faça jus ao nome, tanto por sua fama de agir de forma corporativista, passando pano para grandes aberrações, quanto pelo currículo de algumas autoridades que tiveram assento por lá - e que, pelo que ficamos sabendo, negociariam a própria mãe.

O conselho já se movimenta na operação-abafa para retardar a (lógica) suspensão de Chico Rodrigues (DEM-RR) de seu cargo. O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, afastou-o do mandato, e o presidente da corte, Luiz Fux, pautou a decisão no plenário do STF. Contudo, ela precisa ser referendada pelos próprios senadores. Que vão enrolar o quanto for possível.

Os colegas de Rodrigues provavelmente não acreditam que nádegas sejam o refúgio natural de lobos-guarás, garoupas e onças-pintadas, mas muitos têm certeza que amanhã pode ser com eles dada a farra ocorrida com o dinheiro das emendas parlamentares do combate à pandemia. Nenhum animal tem um instinto de auto-sobrevivência mais aguçado do que políticos em Brasília.

Nomes que damos às coisas importam, pois são fruto de construção coletiva de significados. Dessa forma, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar vai se esvaziando toda vez que se nega a depurar o Senado. Vazio de significado, torna-se puro instrumento de fisiologia.

Outra instituição que foi fruto de uma construção coletiva e está perdendo a razão de seu nome é o Ministério do Meio Ambiente.

Criado, em 1992, para ser um órgão de formulação e implementação de políticas públicas visando ao desenvolvimento sustentável e à garantia de qualidade de vida, tornou-se, hoje, vanguarda da terra arrasada e vetor de aniquilação de leis, normas e políticas ambientais, atacando sua própria fiscalização e abrindo espaço para o retorno de um conceito violento de progresso.

Na República bolsonarista, temos visto um processo cotidiano de tortura de instituições até que elas gritem o que o poder de plantão quer ouvir. Instâncias de monitoramento e controle vão se dobrando, uma a uma, aos pés do governo e de seus aliados, subvertidas de sua função original, transformadas em elementos de uma guarda pretoriana.

Um Estado que acha normal enviar espiões a uma Cúpula do Clima da ONU atrás de "maus brasileiros", enquanto salva o pescoço de quem desviou dinheiro da pandemia para a própria poupança.

Não à toa, o presidente insiste que a prova de que não há corrupção em seu governo é que a Polícia Federal flagrou corrupção em seu governo.

Apesar da história ter entrado para os anais do Senado não apenas como um buraco na moralidade pública, mas como um dos maiores casos de inspiração de trocadilhos da história do país, a chance de os pares do senador resolverem o problema batizando-o de outra forma é grande.

Se assim for, ao esconderem de forma tosca um caso de esculacho à ética e ao decoro parlamentar, não serão diferentes do colega que escondeu maços de dinheiro entre as nádegas. O ato dele pressupôs que os agentes da Polícia Federal seriam idiotas de não perceber. O ato dos senadores vai pressupor o mesmo da sociedade brasileira.