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Leonardo Sakamoto

Efeito Bolsonaro: 23% querem voto em papel, 22% não querem se vacinar

Bolsonaro ergue cloroquina para apoiadores                              - Reprodução/Facebook
Bolsonaro ergue cloroquina para apoiadores Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

03/01/2021 10h23

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Além de reduzir o número de pessoas que desejam se vacinar contra covid-19, as campanhas de desinformação travadas por Jair Bolsonaro, seus aliados e seguidores também ajudaram a garantir que 23% da população desconfiasse das urnas eletrônicas a ponto de defender a volta do voto em papel.

A figura de um presidente da República acaba sendo uma referência simbólica para uma parcela da população, mesmo que o presidente seja Jair Messias. Ainda mais quando ele conta com uma máquina de guerra nas redes sociais e aplicativos de mensagens para construir sua narrativa. Essa figura pode nos guiar para frente ou para trás, como é o caso.

Um exemplo disso é que seu negacionismo, que despreza o coronavírus, fez com que brasileiros furassem quarentenas e voltassem à vida normal, mesmo no pico da pandemia. Isso reduziu a efetividade das medidas de isolamento e distanciamento social, aumentou o número de mortes e retardou a retomada dos empregos.

Pesquisa Datafolha, divulgada neste domingo (3), mostra que 73% dos brasileiros querem que o sistema de votação continue como é hoje. Mas o que surpreende é que um em cada quatro acredita que o melhor é retrocedermos ao que era antes, quando as denúncias de fraude e o atraso na totalização dos votos eram frequentes.

O número dos que não confiam nas urnas eletrônicas é semelhante àqueles que, no mês passado, desconfiavam da vacina. Outra pesquisa Datafolha, divulgada em 12 de dezembro, apontou que 22% dos brasileiros não pretendiam se vacinar. Em agosto, eram 9%. Enquanto isso, 73% disseram que queriam ser imunizados.

Para reforçar a correlação ideológica, 50% afirmam que não querem receber uma vacina desenvolvida pela China, como a Coronavac, que será produzida no Instituto Butantan, em São Paulo. Se a vacina viesse dos Estados Unidos, como a da Pfizer, apenas 23% não queriam recebe-la.

O ataque ao sistema de votação e às vacinas excita uma parcela paranoica dos seguidores do presidente, que acredita em conspirações para controlar os brasileiros, envolvendo a inoculação de chips, hackers pagos por bilionários estrangeiros e até cavaleiros templários. Mas o presidente também tem razões mais pragmáticas.

Sem apresentar provas, Bolsonaro passou a afirmar que a eleição de 2018 (que ele ganhou, a propósito) havia sido fraudada. Afirma, sem evidências, que levou o pleito no primeiro turno. Trava uma cruzada contra o sistema eletrônico de votação, defendendo que cada urna produza um comprovante impresso para checagem, o que é visto pelo Tribunal Superior Eleitoral como um retrocesso.

Assim como o presidente Donald Trump, que perdeu a eleição nos EUA e culpou o sistema eleitoral, acusando-o de fraude, Bolsonaro ataca a urna eletrônica, criando uma dúvida onde antes não havia - o que pode ser útil para questionar o resultado das eleições em 2022, caso o resultado lhe seja desfavorável.

Ao mesmo tempo, a incompetência e a falta de interesse do governo federal atrasaram o início do processo de imunização. Sem vacinas para atender toda a população, Bolsonaro faz de tudo para reduzir a procura pelo produto, colocando em dúvida a sua eficácia e segurança. "Se você virar um jacaré [ao tomar a vacina], é um problema seu", disse o presidente.

Se o ataque à credibilidade das urnas envenena a confiança nas instituições e, portanto, na democracia, o ataque às vacinas compromete não apenas a proteção da população contra a covid, mas o comparecimento da população a outras campanhas de vacinação, facilitando o ressurgimento de doenças, como o sarampo.

A responsabilidade do presidente por conta disso é clara. De acordo com o Datafolha, 33% dos brasileiros que dizem sempre confiar em Bolsonaro disseram que não vão se vacinar, enquanto esse número cai para 16% entre os que dizem que nunca confiam nele. Ao mesmo tempo, a aprovação das urnas eletrônicas cai para 62% entre quem declara sempre confiar no que Bolsonaro fala e chega a 81% entre quem diz que nunca confia nele.

Isso serve como uma alerta à parcela da nossa intelectualidade que despreza o potencial negativo das ações do presidente da República nas redes sociais e aplicativos de mensagens. Acreditam, de forma inocente, que veículos de comunicação tradicionais ainda controlam a agenda pública.

Só por curiosidade: outro levantamento do Datafolha, de julho de 2019, perguntou aos brasileiros sobre o formato do planeta. Enquanto 90% declararam que a Terra é redonda, 7% dos entrevistados afirmam que ela é plana.

O bom senso, contudo, recomenda que a pesquisa seja refeita no final de seu mandato.