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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Chantagem de Guedes com auxílio emergencial é mortal para os brasileiros

                                  Ministério da Economia Paulo Guedes e presidente Jair Bolsonaro                              -                                 MAURO PIMENTEL / AFP
Ministério da Economia Paulo Guedes e presidente Jair Bolsonaro Imagem: MAURO PIMENTEL / AFP

Colunista do UOL

05/02/2021 09h29

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O ministro da Economia, Paulo Guedes, condicionou, nesta quinta (4), o pagamento de novas parcelas do auxílio emergencial à criação de "um novo marco fiscal, robusto o suficiente para enfrentar eventuais desequilíbrios". Isso não é apenas desconexão com a realidade dos mais pobres na pandemia, mas insensibilidade e chantagem da grossa. A extensão atenderia apenas metade dos beneficiários de 2020.

O auxílio já deveria estar sendo pago novamente a milhões de famílias para que ficassem um pouco mais tranquilas em casa enquanto passa a segunda onda da covid-19. Nesta quinta, a cada hora perdida com a discussão de medidas fiscais e reformas, 54 novos óbitos foram registrados. Para tecnocratas que enxergam planilhas no lugar de pessoas, o barulho de pacientes sufocando é só um bug do Excel.

Foi o 15º dia seguido com média móvel acima de mil mortes de covid-19.

Não é a primeira vez que Guedes mostra não ter pressa diante da tragédia. Em março do ano passado, frente à necessidade de implementar uma solução urgente para o coronavírus, recomendou um remédio incerto e que levaria meses: "Se promovermos as reformas, abriremos espaço para um ataque direto ao coronavírus".

No mesmo discurso, mostrou que entende bem de planejamento, afirmando que com até R$ 5 bilhões, "a gente aniquila o coronavírus". Só o rombo de 2020 foi de R$ 743 bilhões, isso sem contar a irreparável perda de 228.883 pessoas até agora.

A saúde econômica do país é importante, mas exatamente por isso o auxílio emergencial precisa ser renovado, ao lado de apoio para micro e pequenas empresas e medidas para manutenção de empregos formais, uma vez que foram eles quem impediram uma queda maior do comércio e da produção brasileira em 2020. A assustadora massa de 14 milhões de desempregados poderia ser ainda maior.

Isso sem considerar as ironias. Uma das medidas fiscais defendidas por Guedes é a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, que vai ser colocada em discussão pela nova cúpula do Congresso. Ela estabelece gatilhos de ajuste fiscal para o governo em momentos de crise.

O problema é que ela pode significar uma trava a aumentos de aposentadorias de quem ganha dois salários mínimos, bloquear reajustes de professores e enfermeiros que já ganham pouco e fazer malabarismos com benefícios sociais. Usado como justificativa para o auxílio emergencial, teríamos o que Bolsonaro prometeu não fazer: tirar dos pobres para dar aos paupérrimos.

Daqui a algum tempo, a segunda onda vai passar. Ficará a necessidade de debater um programa de renda básica permanente, uma vez que o pagamento do benefício derrubou a pobreza extrema de 11% da população, em 2019, para 4,5% em agosto do ano passado, segundo cálculos da FGV Social. Com o fim das parcelas, saltou para 12,8% em janeiro.

Neste momento, contudo, a urgência do benefício é para salvar a maior quantidade de vidas que pudermos.

Paulo Guedes está ganhando tempo enquanto o coronavírus atravessa seu curso. Espera que ele reduza a intensidade, o que reduzirá a pressão pelo auxílio. Enquanto isso, aproveita a pandemia para tentar executar sua agenda.

Com isso, a argamassa desse novo Brasil que o governo Bolsonaro pretende construir vai ter sangue e saudade de muita gente.