Leonardo Sakamoto

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Opinião

Trump segue cartilha da extrema direita em ataque à liberdade de Harvard

O governo Donald Trump vem acusando de antissemitismo os protestos contra a limpeza étnica em curso na Faixa de Gaza e usando isso para cassar vistos estudantis e cortar financiamentos de universidades. O país que se autointitula como farol da liberdade de expressão vem caminhando a passos largos para uma autocracia. Das mais perigosas, porque não vai se assumir como tal.

No lance mais recente, a Universidade de Harvard, a mais antiga e rica dos Estados Unidos, se negou a atender demandas do governo, que deseja controlar quem a instituição contrata e o conteúdo dado em cada departamento, e exige o encerramento de programas de diversidade. E, claro, que a instituição pare de tolerar críticas ao governo Netanyahu por parte de alunos e professores.

Com isso, autoridades anunciaram que congelariam pelo menos US$ 2,2 bilhões, o que representa uma parte significativa dos US$ 9 bilhões que a universidade particular recebe de financiamento federal. Na maioria, os recursos são destinados a hospitais e para pesquisa de temas como diabetes, câncer, doença de Alzheimer e tuberculose.

Os bombardeios e ataques do governo Benjamin Netanyahu contra Gaza acabam de romper a barreira dos 51 mil mortos - retaliação pelos mais de 1.100 mortos do ataque dos Hamas em outubro de 2023 -os números são atribuídos a ambas as administrações. Terrorismo seguido de genocídio.

Se dependesse de Trump, a limpeza étnica do território seria concluída com os palestinos expurgados para o Egito e a Jordânia e Gaza cedida a ele para que fosse transformada em um grande resort. Enquanto isso, não acontece, segue apoiando uma paz alinhada aos desejos de Netanyahu e dos ultraconservadores. Dentro do país, vem tachando críticas aos bombardeios das Forças de Defesa de Israel como apoio ao terrorismo.

A propagação do ódio a judeus e muçulmanos é uma praga que precisa ser repudiada e combatida com rigor. Mas uma crítica a um governo não é um, ataque a um povo, tanto que parte significativa dos israelenses vai às ruas cotidianamente para chamar Netanyahu de incompetente por causa do não retorno dos reféns nas mãos do Hamas e pedir sua cabeça pelos escândalos de corrupção.

Não é só nos EUA que se toma, de forma manipulada, a crítica a um governo como um ataque a um povo. No Brasil, há universidades particulares que deveriam se guiar pelo exemplo de Harvard, não de Trump, e evitar a vergonha de implementar um macarthismo tupiniquim.

Empunhando a bandeira da liberdade de expressão e da pluralidade, a gestão Trump quer matar a liberdade de expressão e a pluralidade.

No caso de universidades, é capítulo fundamental da cartilha da extrema direita a implementação de ações para desestabilizar, descredibilizar, sequestrar e asfixiá-las. Para vender a sua realidade como única, é necessário fechar instituições que mostram que ela é apenas mais uma de muitas. E uma cheia de falhas.

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O Brasil sabe bem o que é isso. Durante seu mandato, Jair Bolsonaro abraçou a guerra da extrema direita contra as universidades, desidratando seus orçamentos, indicando reitores amigos e tentando intervir no conteúdo. Queria a realidade paralela da Bolsofera como a oficial. Não à toa, foram trincheiras da democracia.

Outras universidades já foram atacadas por Trump e recuaram, como Columbia, que também foi palco de protestos pró-Palestina. Dada a importância de Harvard, sua resistência pode ajudar outras a também dizerem não. Afinal, a tirania precisa do silêncio dos conscientes para prosperar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL